sábado, 12 de agosto de 2023

Pablo Ortellado -Como encerrar a guerra às drogas?

O Globo

Legalização que estamos iniciando precisa vir com política de desestímulo

A guerra às drogas fracassou. O combate impiedoso ao tráfico não foi capaz de reduzir o consumo e ainda promoveu uma explosão da população carcerária que é injusta, onerosa e alimenta o crime organizado. O Brasil, com 832 mil presos, tem a terceira maior população carcerária do mundo em números absolutos e a 26ª em números relativos (per capita). Cerca de 25% dos nossos presos foram acusados de tráfico.

Nos últimos anos, o cenário de fracasso generalizado tem levado vários países a descriminalizar o uso. Nos Estados Unidos, país que liderou a guerra às drogas entre os anos 1970 e 1990, a descriminalização começou pela legalização do uso medicinal da Cannabis em alguns estados e aos poucos está levando à legalização do uso recreativo.

O Brasil parece seguir caminho semelhante. A Cannabis medicinal é autorizada pela Anvisa desde 2015, e 25 medicamentos com base na substância já estão legalmente disponíveis. Até o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas sancionou uma lei estadual garantindo o fornecimento desse tipo de medicamento pelo SUS em São Paulo.

Na Justiça, o processo também caminha. Na semana passada, o STF avançou no debate sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. O placar a favor da descriminalização já está em 4 a 0. Os ministros discutem um critério objetivo para definir o que é uso pessoal. Segundo um estudo do Ipea, se o critério sugerido pelo ministro Luís Roberto Barroso vingar (porte de até 25 gramas de maconha considerado uso pessoal), 27% de todos os condenados por tráfico poderão ser absolvidos.

Nos Estados Unidos, a estratégia de começar a descriminalização pelo uso medicinal foi aplacando as resistências de um público educado pela retórica da guerra às drogas. Hoje, 59% dos americanos apoiam a legalização do uso recreativo e medicinal da Cannabis, e 30% apenas do uso medicinal. Ao todo, nove em cada dez americanos são favoráveis a algum tipo de legalização — até os anos 2000, eram apenas 30%. Mas a estratégia de começar a descriminalizar e legalizar pelo uso medicinal tem uma consequência ruim para a qual devemos estar atentos no Brasil: diminui a sensação de risco do uso da Cannabis, sobretudo entre adolescentes.

Acostumados a ouvir falar sobre os benefícios terapêuticos da maconha, eles pensam que o que cura não pode fazer mal e, por isso, episódios de uso abusivo têm crescido. Mas ela não é inofensiva e também não é terapêutica fora dos contextos em que há indicação médica. O uso da maconha — sobretudo o abusivo — traz problemas cardíacos, respiratórios, cognitivos e mentais.

Pesquisas nos Estados Unidos mostram que a percepção de risco do uso de maconha vem diminuindo drasticamente, especialmente entre adolescentes, desde que o processo de legalização começou. A percepção de risco é maior nos estados que legalizaram a Cannabis medicinal que nos demais.

É importante aprender com a experiência americana. Por um lado, é preciso pôr fim quanto antes à guerra às drogas. Por outro, o caminho que começa com a descriminalização do porte para uso próprio e pela legalização do uso medicinal e evolui depois para a legalização do uso recreativo precisa ser acompanhado de uma campanha bem planejada de educação e desestímulo.

Temos no Brasil uma política exemplar de combate ao tabagismo, com impostos elevados, proibição da publicidade, mensagens de alerta, campanhas de esclarecimento e a proibição do fumo em ambientes fechados. Tais medidas reduziram o número de usuários do tabaco em 36% em pouco mais de uma década. Com a maconha, a legalização que estamos iniciando precisa vir acompanhada de política de desestímulo semelhante.

 

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