Valor Econômico
Conjunto de boas notícias indica que a
recuperação da economia está a caminho, com investimentos públicos a
influenciar a atividade econômica
Dois anos atrás, o documentarista João
Moreira Salles, em Live do Valor, expôs uma tese jocosa, considerada
“maluca” por ele mesmo, de que o desempenho do Botafogo Futebol e Regatas
reflete, ao longo dos anos, o desempenho do Brasil.
Com um sorriso maroto de botafoguense
fanático, Salles enumerou alguns fatos do passado para comprovar sua excêntrica
tese. Nos anos 1950 e até 1963, o país viveu período de glória em vários
setores, com industrialização, crescimento econômico, cinema novo, bossa nova e
construção de Brasília. Foi também um período de glória do Botafogo e quando o
Brasil ganhou duas Copas do Mundo, com a seleção mesclando principalmente
jogadores do Fogão e do Santos.
A partir de 1964, vieram a ditadura militar e os anos de chumbo. O Brasil deprimiu-se, assim como o Botafogo. O time carioca só foi ganhar um título novamente em 1989, quando os brasileiros voltaram a votar para presidente. Também conquistou o campeonato brasileiro em 1995, quando o país venceu a hiperinflação com o Plano Real.
Dois anos atrás, em plena pandemia da
covid-19, o Botafogo havia caído para a segunda divisão do campeonato
brasileiro e o Brasil vivia um período de trevas.
Naquele momento pandêmico, segundo Salles,
o Brasil teria caído para a série B dos países, assim como o Botafogo, para a
série B dos clubes de futebol. O país estava desgovernado, mais de 570 mil pessoas
já haviam morrido de covid, o governo não acreditava em vacinas, preferia
recomendar a famigerada cloroquina e manter um general no comando do Ministério
da Saúde. No exterior, era tido como decrépito em sua política ambiental. O
desemprego aumentava e os urros do dragão da inflação já eram ouvidos.
A tese de Salles é obviamente um exercício
brincalhão sobre coincidências e tem muitos furos, até porque o Brasil viveu
nesses anos todos inúmeros períodos bons e ruins sem nenhuma relação com o
desempenho do clube carioca. Mas Salles poderia invocá-la novamente agora. O
Botafogo, grande surpresa do Brasileirão, se mantém na liderança desde o início
do campeonato, deixando para trás até agora favoritos como Flamengo e
Palmeiras. E, por coincidência ou não, o Brasil começa a viver um bom momento
em vários setores.
Em poucos meses do novo governo, o país
deixou de ser um pária global na área ambiental e, apesar das derrapadas do
presidente Lula em relação à Venezuela e à guerra da Ucrânia, tem sido elogiado
pelo restabelecimento de relações diplomáticas amistosas.
Na área interna, há uma sequência de boas
notícias. A alta do PIB do primeiro trimestre superou todas as previsões e o
indicador ficou 4% acima do nível do mesmo período do ano passado. O desemprego
está em queda e 1 milhão de postos formais de trabalho foram criados no
primeiro semestre. A inflação baixou, já tivemos até deflação em junho e o
Banco Central iniciou, com grande atraso, a redução dos juros básicos. A
produção agrícola bateu recorde e o setor vai receber uma bolada de R$ 364
bilhões para financiar a próxima safra. A classificação de risco do país
melhorou e voltam os investimentos estrangeiros. Os ativos das companhias
abertas estão em alta e o Ibovespa subiu 11% de janeiro a julho.
Está de volta também o investimento
público, com valor mínimo previsto em uns R$ 60 bilhões por ano no novo
arcabouço fiscal, e deixou de prevalecer o ideário liberal de que cabe
unicamente ao setor privado a tarefa de investir, mesmo em áreas estratégicas.
As reformas andam. O novo arcabouço já passou na Câmara e no Senado e a reforma
tributária, a despeito da alguma resistência de Estados e municípios, está no
Senado. O cenário externo não é tão favorável, com a continuidade da guerra na
Ucrânia e o crescimento contido da China. Mas o PIB dos EUA avançou de forma
surpreendente: 2,4% no segundo trimestre na comparação anual.
Esse conjunto de boas notícias indica que a
recuperação da economia está a caminho, com investimentos públicos a
influenciar a atividade econômica.
Nos anos 1930, os EUA se recuperavam da
“Grande Depressão” quando sobreveio o domínio ideológico daqueles que John
Kenneth Galbraith chamou de “homens da sensatez”, os radicais amantes da
austeridade. Em 1937, relata Galbraith em “A Era da Incerteza”, a recuperação
da economia vinha morosamente a caminho: a produção e os preços subiam, embora
o desemprego ainda fosse apavorante. Os “homens da sensatez” começaram a agir
no sentido de reduzir as despesas do governo, aumentar impostos e equilibrar o
orçamento federal. “Os poucos keynesianos protestaram; nossas vozes foram
abafadas no alarido do aplauso ortodoxo. À medida que o orçamento caminhava
para o equilíbrio, a recuperação dava uma parada. Houve então um novo e
horrível colapso, a retração dentro da depressão”.
Ouve-se por aqui também o alarido ortodoxo
de nossos “homens da sensatez” e os juros altíssimos, ainda nitidamente fora do
lugar, já provocam deflações e seguram a economia. Melhor seria prevalecer o
enigmático “Índice Botafogo” [expressão do colunista, não de Salles]. Que ele
continue funcionando com o bom desempenho do clube carioca. Nesse caso, somos
todos Fogão. Artilheiro Tiquinho Soares, jogai por nós.
Eu, flamenguista, humildemente aplaudo esse artigo. Muito interessante, divertido e digno dos maiores botafoguenses.
ResponderExcluirO Brasil pós-ditadura viveu alguns poucos anos de alguma luz e foi sendo mergulhado novamente em trevas a partir de 2007.
ResponderExcluirPara o nosso Botafogo, só falta um tiquinho ; mas para o nosso Brasil está faltando quase tudo, porque chegamos a uma situação em que nem mesmo uma âncora tributária nós não temos neste momento.
Corrigindo: acima, onde lê-se "âncora tributária", leia-se "âncora fiscal".
ExcluirTiquinho machucou feroz e ficará 5 semanas parado. Sugiro venda de ações e compra de dólar.
ResponderExcluirMAM