terça-feira, 8 de agosto de 2023

Pedro Cafardo - Artilheiro Tiquinho, jogai por nós!

Valor Econômico

Conjunto de boas notícias indica que a recuperação da economia está a caminho, com investimentos públicos a influenciar a atividade econômica

Dois anos atrás, o documentarista João Moreira Salles, em Live do Valor, expôs uma tese jocosa, considerada “maluca” por ele mesmo, de que o desempenho do Botafogo Futebol e Regatas reflete, ao longo dos anos, o desempenho do Brasil.

Com um sorriso maroto de botafoguense fanático, Salles enumerou alguns fatos do passado para comprovar sua excêntrica tese. Nos anos 1950 e até 1963, o país viveu período de glória em vários setores, com industrialização, crescimento econômico, cinema novo, bossa nova e construção de Brasília. Foi também um período de glória do Botafogo e quando o Brasil ganhou duas Copas do Mundo, com a seleção mesclando principalmente jogadores do Fogão e do Santos.

A partir de 1964, vieram a ditadura militar e os anos de chumbo. O Brasil deprimiu-se, assim como o Botafogo. O time carioca só foi ganhar um título novamente em 1989, quando os brasileiros voltaram a votar para presidente. Também conquistou o campeonato brasileiro em 1995, quando o país venceu a hiperinflação com o Plano Real.

Dois anos atrás, em plena pandemia da covid-19, o Botafogo havia caído para a segunda divisão do campeonato brasileiro e o Brasil vivia um período de trevas.

Naquele momento pandêmico, segundo Salles, o Brasil teria caído para a série B dos países, assim como o Botafogo, para a série B dos clubes de futebol. O país estava desgovernado, mais de 570 mil pessoas já haviam morrido de covid, o governo não acreditava em vacinas, preferia recomendar a famigerada cloroquina e manter um general no comando do Ministério da Saúde. No exterior, era tido como decrépito em sua política ambiental. O desemprego aumentava e os urros do dragão da inflação já eram ouvidos.

A tese de Salles é obviamente um exercício brincalhão sobre coincidências e tem muitos furos, até porque o Brasil viveu nesses anos todos inúmeros períodos bons e ruins sem nenhuma relação com o desempenho do clube carioca. Mas Salles poderia invocá-la novamente agora. O Botafogo, grande surpresa do Brasileirão, se mantém na liderança desde o início do campeonato, deixando para trás até agora favoritos como Flamengo e Palmeiras. E, por coincidência ou não, o Brasil começa a viver um bom momento em vários setores.

Em poucos meses do novo governo, o país deixou de ser um pária global na área ambiental e, apesar das derrapadas do presidente Lula em relação à Venezuela e à guerra da Ucrânia, tem sido elogiado pelo restabelecimento de relações diplomáticas amistosas.

Na área interna, há uma sequência de boas notícias. A alta do PIB do primeiro trimestre superou todas as previsões e o indicador ficou 4% acima do nível do mesmo período do ano passado. O desemprego está em queda e 1 milhão de postos formais de trabalho foram criados no primeiro semestre. A inflação baixou, já tivemos até deflação em junho e o Banco Central iniciou, com grande atraso, a redução dos juros básicos. A produção agrícola bateu recorde e o setor vai receber uma bolada de R$ 364 bilhões para financiar a próxima safra. A classificação de risco do país melhorou e voltam os investimentos estrangeiros. Os ativos das companhias abertas estão em alta e o Ibovespa subiu 11% de janeiro a julho.

Está de volta também o investimento público, com valor mínimo previsto em uns R$ 60 bilhões por ano no novo arcabouço fiscal, e deixou de prevalecer o ideário liberal de que cabe unicamente ao setor privado a tarefa de investir, mesmo em áreas estratégicas. As reformas andam. O novo arcabouço já passou na Câmara e no Senado e a reforma tributária, a despeito da alguma resistência de Estados e municípios, está no Senado. O cenário externo não é tão favorável, com a continuidade da guerra na Ucrânia e o crescimento contido da China. Mas o PIB dos EUA avançou de forma surpreendente: 2,4% no segundo trimestre na comparação anual.

Esse conjunto de boas notícias indica que a recuperação da economia está a caminho, com investimentos públicos a influenciar a atividade econômica.

Nos anos 1930, os EUA se recuperavam da “Grande Depressão” quando sobreveio o domínio ideológico daqueles que John Kenneth Galbraith chamou de “homens da sensatez”, os radicais amantes da austeridade. Em 1937, relata Galbraith em “A Era da Incerteza”, a recuperação da economia vinha morosamente a caminho: a produção e os preços subiam, embora o desemprego ainda fosse apavorante. Os “homens da sensatez” começaram a agir no sentido de reduzir as despesas do governo, aumentar impostos e equilibrar o orçamento federal. “Os poucos keynesianos protestaram; nossas vozes foram abafadas no alarido do aplauso ortodoxo. À medida que o orçamento caminhava para o equilíbrio, a recuperação dava uma parada. Houve então um novo e horrível colapso, a retração dentro da depressão”.

Ouve-se por aqui também o alarido ortodoxo de nossos “homens da sensatez” e os juros altíssimos, ainda nitidamente fora do lugar, já provocam deflações e seguram a economia. Melhor seria prevalecer o enigmático “Índice Botafogo” [expressão do colunista, não de Salles]. Que ele continue funcionando com o bom desempenho do clube carioca. Nesse caso, somos todos Fogão. Artilheiro Tiquinho Soares, jogai por nós.

 

4 comentários:

  1. Eu, flamenguista, humildemente aplaudo esse artigo. Muito interessante, divertido e digno dos maiores botafoguenses.

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  2. O Brasil pós-ditadura viveu alguns poucos anos de alguma luz e foi sendo mergulhado novamente em trevas a partir de 2007.

    Para o nosso Botafogo, só falta um tiquinho ; mas para o nosso Brasil está faltando quase tudo, porque chegamos a uma situação em que nem mesmo uma âncora tributária nós não temos neste momento.

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    1. Corrigindo: acima, onde lê-se "âncora tributária", leia-se "âncora fiscal".

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  3. Tiquinho machucou feroz e ficará 5 semanas parado. Sugiro venda de ações e compra de dólar.

    MAM

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