Folha de S. Paulo
Sessão da CPMI vira síntese dos últimos
cinco anos do pior Brasil
Walter Delgatti Neto fez acusações de
extrema gravidade no depoimento prestado à CPMI do 8 de
Janeiro, pela qual a extrema direita lutou bravamente. É um daqueles
casos em que o tiro sai pelo clichê, e os valentes sentiram a pólvora estourar
na cara. A metáfora é antiga, também ela passadista, e, por isso mesmo,
adequada à bufonaria desses primitivos morais.
O mesmo se dá na CPI do MST, ainda que ali haja mais espaço para momices reacionárias. De todo modo, assistir a João Pedro Stedile a expor prolegômenos da ciência estatística a parlamentares dedicados apenas a demonizar movimentos sociais não tem preço. Não vendo como contestar sua matemática, babaram na sua causa. A propósito: quando o líder sem terra afirmou que os acampamentos vedam bebida alcoólica, alguns monumentos morais não sabiam se aplaudiam ou faziam uma de suas grotescas catilinárias em favor "de nossa liberdade e contra o comunismo". Foi divertido. Mas volto ao ponto.
Assim como uma delação não pode ser
considerada prova —a exemplo do que fazia um dos presentes ao depoimento desta
quinta, já chego lá—, as acusações e afirmações de uma testemunha ou de um
investigado numa CPMI não devem ser tomadas, por princípio, como verdadeiras. É
preciso investigar. A comissão pode fazê-lo por meio de convocações. E há o
trabalho que cabe à Polícia Federal, no âmbito de inquéritos que já estão
abertos ou outros por abrir. Há ainda as apurações de caráter administrativo.
Um exemplo: o "hacker" afirmou que esteve cinco vezes no Ministério
da Defesa. Independentemente das escolhas da comissão de
inquérito e da PF, o ministro
José Múcio tem de tomar providências para saber se há rastros
desses encontros —por ora, apenas supostos.
O depoente desta quinta, em suma, força a
abertura de novas veredas investigatórias, e todas conduzem, como restou óbvio,
a Jair Bolsonaro. Que o então presidente o recebeu, levado pela ainda deputada
Carla Zambelli (PL-SP), e que ambos falaram sobre eleições, bem,
não há controvérsia a respeito. A propósito: chegou a hora de convocar Valdemar
Costa Neto, presidente do PL, outro que também
conversou com aquele que o "Mito" julgava capaz de operacionalizar
alguns de seus delírios. Tudo é, sim, impressionante,
"estupefaciente" mesmo, para empregar palavra da minha predileção. É
boa porque remete, a um só tempo, a espanto e entorpecimento. Houve um tempo em
que o Brasil estava doidão.
E a memória de um país insano remanesceu na
CPMI. Sergio Moro (União Brasil-PR) houve por bem engrossar, indagando quantas
pessoas já tinham sido vítimas do estelionato praticado pelo interlocutor.
Certamente não contava com este trecho da resposta: "Eu li as conversas de
Vossa Excelência, li a parte privada, e posso dizer que o senhor é um criminoso
contumaz; cometeu diversas irregularidades e crimes".
O "senador-por-enquanto" se
zangou: "Eu pediria aqui que fosse advertido o depoente que não pode
chamar um senador de criminoso; cometeu crime de calúnia". Rápido no
gatilho, o outro apelou a um vocábulo-meme que acompanha o ex-juiz: "Peço
escusas, então". Moro o chamou de bandido e aproveitou para atacar
adivinhem quem... "O senhor é tão inocente como o presidente Lula".
Por que dar destaque a essa passagem? Ali
estava o puro sumo do Brasil nos cinco anos recentes. O "hacker"
contribuiu para desmontar a farsa da Lava Jato, principal
cabo eleitoral de Bolsonaro. Este, por sua vez, resolveu apelar aos serviços
daquele para tentar impedir a vitória de Lula, que
havia sido condenado sem provas por Moro, que se tornou ministro da Justiça do
mercador de joias, que só foi eleito em 2018 porque um juiz incompetente e
suspeito tirou da corrida o único que poderia vencê-lo, levando como galardão o
Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Mas falta a cereja nesse bolo. Delgatti
havia cometido (retirou o que disse) crime de "injúria", não de
"calúnia". Moro desconhece os tipos penais até quando ele próprio é o
alvo. E pensar que, durante um bom tempo, mandou e desmandou na Justiça e em
parte da imprensa. A direita histérica, aquela de que trato lá no começo,
emergiu do pântano. Mas vai voltar a seu lugar.
Aprendendo Direito direito com Reinaldo.
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