Folha de S. Paulo
Erraram os que viram Bolsonaro só como a
cara mais feia da democracia
Estavam obviamente enganados todos aqueles
que chegaram a supor que o bolsonarismo era só uma forma de ser da direita, um
pouco mais áspera e angulosa do que se tinha até então, mas, ainda assim,
suportável em nome da diversidade. Um outro equívoco se juntou a esse. Muitos
apostaram que Jair
Bolsonaro acabaria se vergando ao peso das instituições. No fim
das contas, seria só um fanfarrão agressivo, dado a arroubos retóricos, mas se
dava como pouco provável que tentasse se organizar para golpear a democracia.
Ele se mostraria apenas como a cara mais feia do regime.
Direitistas não fascistoides e liberais que pareciam, então, autênticos se deixaram encantar pelo "líder popular" que, finalmente, estaria dando corpo e expressão a valores chamados, impropriamente, de "conservadores". Nessa perspectiva, o tal só precisaria, vamos dizer, de um certo "banho de loja" no shopping do bom senso. Livre de alguns comportamentos mais grosseiros, poderia até ser admitido à mesa da civilidade.
Pois é...
Em latim, "tolerantia" significa
"constância em suportar". O antepositivo "toler" designa o
ato de aturar um peso, um fardo, um sofrimento. Dá para entender como a palavra
"tolerância" acabou derivando para a condescendência com ideias que
não são as nossas, com a diferença, com a pluralidade. A etimologia nos
rememora o óbvio: esse comportamento supõe alguma dose de contrariedade. E,
pois, ou se alevanta um valor maior do que o conforto de viver entre iguais, ou
se tem a "intolerância" nesse sentido já derivado: incapacidade de
conviver com ideias que contrastam com nossas certezas.
O leitor que não está inteirado deste
debate deve pesquisar a respeito do chamado "paradoxo da tolerância",
sintetizado pelo filósofo Karl Popper. Indague-se: numa sociedade aberta,
quaisquer ideias e proposições devem ser abrigadas, mesmo aquelas que, se
realizadas, levariam ao fim das próprias regras que garantem a sua exposição,
eliminando —é uma consequência lógica— a própria tolerância? Exposta a questão
de um outro modo: devemos ser compassivos diante da disposição do outro de nos
eliminar?
"Ah, compreendi, Reinaldo, por onde vai
a sua conversa. Ela já embute um juízo de valor porque está dado o pressuposto
de que isso a que chama ‘bolsonarismo’ busca a eliminação do adversário e a
imposição de sua vontade pela violência." A esta altura, convenham, não se
cuida mais de falar de presunção a partir da mera retórica exacerbada, mas de
um fato incontestável. São fartos os dados a indicar, por exemplo, que houve
uma articulação da Polícia Rodoviária
Federal, sob o comando de aliados do então presidente, para
fraudar o resultado da eleição.
Na petição em que a PF pede a prisão de Silvinei
Vasques, fica evidente que Anderson
Torres, então ministro da Justiça, tinha, quando menos, ciência
do levantamento indicado as cidades em que Lula havia tido 75% dos votos ou
mais. E elas foram alvos preferenciais dos bloqueios feitos pela PRF.
Adicionalmente, revelam-se, a cada dia,
aspectos daquele governo, surpreendentes até para os críticos mais severos, a
apontar que não se tinha propriamente uma governança. A coisa evolui para o
escárnio. Mauro Cid, o
onipresente ajudante de ordens, tentou vender um Rolex, como se o presente
tivesse sido dado a um muambeiro, não ao chefe de Estado do Brasil. Esse
militar, sabe-se agora, envolveu-se nos EUA com a venda de pedras preciosas,
não se tem certo em que circunstâncias nem se atuava em benefício de terceiros.
Estavam com ele, por exemplo, certificados de um dos conjuntos das joias
sauditas. Com que propósito?
Retomo os dois parágrafos iniciais,
entrelaçando-os com a tolerância, à guisa de arremate. Conhecem certamente a
máxima: todos os lugares são um destino certo para quem não sabe aonde ir. É
preciso, entendo, estabelecer alguns fundamentos e princípios que são
inegociáveis. Evocar a "tolerância" diante do discurso da barbárie
por eventual receio de que os adversários viáveis dos bárbaros sequestrem a
nossa vontade corresponde a se deixar sequestrar pela... barbárie. O
bolsonarismo, como pensamento político, tem de ser banido, sem prejuízo de ser
compreendido. Tolerado nunca! Até para que possa existir uma direita
democrática.
A política de nosso Brasil virou um teatro de populistas corruptos associados a esquemas fundamentalistas à direita e à esquerda, que estão usando nossa democracia para exercitarem a antiga corrida para saber quem assume definitivamente o poder.
ResponderExcluirNão nos livraremos de um risco se não impedirmos o outro e o lulismo e o bolsonarismo ficarão se retroalimentando, para tristeza da economia e dos seus democratas do Brasil.
E de lado a lado essa ameaça à economia e à democracia conta com a cumplicudade de brasileiros que têm consciência dos riscos e deveriam ajudar a combatê-lo, mas, fazendo o contrário, os normalizam.
A civilização venceu a barbárie,ao menos por enquanto.
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