Folha de S. Paulo
Melhor cortina de fumaça para ardis é
elogiar a verdade enquanto se manipula a massa
Praticamente tudo relacionado a Bolsonaro
pode, em grande medida, ser descrito pelo campo semântico da falsificação. De
adulteração e armação a tramoia e trapaça, abundam ações ou falas de Bolsonaro
e do seu círculo íntimo para ilustrar cada um dos vocábulos no caminho: ardil,
contrafação, embuste, engano, farsa, fraude, golpe, impostura, logro,
manipulação, tapeação. Procure uma palavra cujo significado seja "atitude
que visa enganar" ou "situação armada para fazer de conta" e
você encontrará um verbete da enciclopédia bolsonarista.
Aparentemente, há um paradoxo entre o que estou sustentando e a extrema valorização bolsonarista do que Adorno chamava o "jargão da autenticidade", o uso da busca pela autenticidade como mera fachada. Bolsonaro foi vendido como um homem autêntico em contraposição aos hipócritas: era o sujeito do "falo, sim, doa a quem doer, sem papas na língua". Disse e fez horrores para se mostrar insubmisso ao politicamente correto, chegando frequentemente ao extremo oposto, o politicamente canalha.
Tudo supostamente contra a hipocrisia, a
polidez burguesa, o fingimento. Tudo forjado para agradar muitos públicos que
se identificam com "homens do povo" e para corresponder à máxima de
que quem fala a verdade não merece castigo e à crença de que a hipocrisia, não
a brutalidade e a grosseria, é o pior traço de um caráter. Não é à toa que o
jargão da autenticidade se fez acompanhar pelo louvor à verdade —assim, no
singular, para dar ares messiânicos à chegada de Bolsonaro ao poder.
Não há, no entanto, melhor cortina de
fumaça para ardis e maracutaias do que se elogiar a verdade e a autenticidade
enquanto se investe, por meio de subterfúgios, na manipulação das massas. Tem
até uma expressão latina para tanto: Ars est artem celare. O segredo da arte é
esconder o artifício, parecer natural, espontâneo. Daí a espontaneidade
planejada de um presidente "pão com margarina", que toma café em copo
americano, adora comer o dogão da esquina, com ketchup escorrendo pelos dedos e
pingando na camisa, a fim de deliberadamente corresponder ao modelo do homem
simples com quem tantos se identificam.
Findo o governo, exibe-se o que estava por
trás do palco e por debaixo dos panos, escancara-se o engenho. Esqueçam que ele
foi eleito à base de falsificação de informações sobre seus adversários; foco
no presente. O sujeito orquestrou um levante popular para poder expedir uma GLO
e dar um golpe, de verdade, fingindo que estava protegendo a ordem
constitucional. Autorizou a inserção de dados falsos de vacinação contra a
Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde para emissão de certificados que
permitiram sua viagem precipitada aos Estados Unidos. Quer mais armação do que
isso?
Na semana passada, Walter Delgatti acusou
Bolsonaro e o seu entorno de encomendar-lhe: a simulação de um código fonte da
urna eletrônica, inserindo nele linhas para fingir que era possível votar em um
candidato e o voto ser computado para outro; que assumisse um grampo inverídico
de uma conversa fake do ministro Alexandre de Moraes, com o intuito de
engabelar os cidadãos; uma aparição do hacker na propaganda de Bolsonaro,
mentindo ao público que era possível fraudar o processo eleitoral. Além de
oferecer: a promessa de que, se fosse descoberto e acusado pelas adulterações
cometidas, receberia indulto presidencial; garantia de carta branca para fazer
o que fosse necessário para ludibriar o público.
Em semanas anteriores, soubemos da mutreta
da vaquinha digital solicitada para que Bolsonaro pudesse pagar multas por
descumprimento da legislação sanitária. Se não fosse o Coaf ou o jornalismo,
não saberíamos que o pobre homem arrecadou e malocou em suas contas a bagatela
de R$ 17,1 milhões, suficiente para pagar 17 vezes as multas recebidas —que não
pagou e, provavelmente, serão perdoadas pelo governador bolsonarista de São
Paulo— e equivalente a oito vezes tudo o que o honesto cidadão amealhou ao
longa da vida. Quando a informação veio a público, a resposta foi ainda
turbinada pela fingida autenticidade: o que sobra "dá pra tomar um caldo
de cana e comer um pastel com dona Michelle". No Bahrein, claro.
E ainda estamos às voltas com as denúncias
de que o ex-presidente, como um desses ditadores fugitivos exilados no
estrangeiro, teria mandado homens de sua confiança transformar em dinheiro vivo
joias e valores que não eram seus. Tudo clandestino, à socapa, como convém a um
homem autêntico, de família, temente a Deus, simples e, obviamente, adorador da
verdade.
*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"
Perfeito
ResponderExcluirMAIS UMA PETA, DAS BOAS:
ResponderExcluirMÉDICO DO BOZO AGORA É O PAI DO ADVOGADO DELE (O QUE SEMPRE DIZ QUE BOLSONARO NUNCA COMETEU CRIME, E TÁ MAIS LIMPO QUE BUNDA-DE-BEBÊ).
AGORA É QUE O BOZO VAI CONSEGUIR FACIM TODOS OS 'ATESTADOS' MÉDICOS QUE QUISER, INCLUSIVE ATÉ DE SANIDADE MENTAL
Mas deu no New York Times
ResponderExcluirhttps://www.nytimes.com/es/2023/08/22/espanol/bolsonaro-malversacion-obsequios.html
Falou tudo!
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirMeu amigo, vou te falar uma coisa, quando você pensar que viu tudo ainda vai ver mais e mais. Tem criminoso que quando sai pra trabalhar reza e ainda pede proteção a Deus e a Jesus.
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