terça-feira, 26 de setembro de 2023

Carlos Andreazza - Fufuquismo cultural

O Globo

Fufuca entende tanto de políticas públicas para o esporte quanto Sampaoli sobre o que fazer com os jogadores do Flamengo num jogo de futebol. Sabe nada da pasta que ganhou. Sabe tudo do que quer.

André Fufuca, ministro do Esporte, está em campo. Esteve até distribuindo medalhas, como se emendas Pix, na final da Copa do Brasil. Está em campo e em todas, donde as entrevistas que tem dado — e que o cronista coleciona.

É falador. Lula não se poderá vender por surpreendido no futuro. Pôs mais um juscelino-filho — mais um bocado de personificação do orçamento secreto — para dentro. Mais um representante de Arthur Lira no ministério, encarnação de uma cultura que prospera no Congresso. Expositor generoso da lógica lirista de ocupação do poder e das chances de o Planalto constituir base estável, via lirismo, no Parlamento.

Ao GLOBO, declarou:

— Não saberia lhe precisar [quantos dos 49 votos a bancada do PP garantiria ao governo] com correção, até porque é uma questão mais pontual. Porém eu tenho como pensamento que o partido manterá o apoio que vem mantendo.

O ministério que ganhou é concreto. O apoio que assegura, um “pensamento”. Destaque à “questão mais pontual”:

— O partido manterá o apoio que vem mantendo.

Operação sui generis. O Planalto oferta mais e mais terrenos em troca do que já tinha. Tinha nada. A velha “questão mais pontual”, a da base de apoio episódica; aquela com que se comercia caso a caso, projeto a projeto, emenda por emenda.

Questionado se estaria satisfeito com o ministério que levou, disse:

— Eu acredito no potencial da pasta que a gente está à frente (sic). Acho que o Ministério do Esporte tem uma capilaridade muito forte. Tem uma entrega muito forte e, se houver apoios necessários do Executivo, a gente tem como fazer um brilhante trabalho aqui.

“Capilaridade muito forte” e “entrega muito forte”. Capilaridade é presença e alcance. A pasta tem potencial. A “entrega muito forte” — o preenchimento dessa capilaridade — dependendo dos “apoios necessários do Executivo”. Traduzo: orçamento crescente e fluente.

Fufuca é transparente. Entende tanto de políticas públicas para o esporte — expressão da baixa qualidade técnica da reforma ministerial — quanto Jorge Sampaoli sobre o que fazer com os jogadores do Flamengo num jogo de futebol. Sabe nada da pasta que ganhou. Sabe tudo do que quer — e poderia ser qualquer ministério (superfície):

– Nós temos projeto de ampliar secretarias. Ter secretaria voltada ao empreendedorismo, ter diretoria voltada a questões sociais, esporte, jogos. Temos um projeto amplo de fortalecimento e ampliação do ministério que a gente espera ter a sensibilidade do Executivo para tornar realidade. Tem essa construção. Estamos terminando de construir para passar o mais rápido possível para o presidente da República.

Ampliar secretarias. Mais cargos. Mais área de influência. Um “projeto amplo” para “ampliação do ministério”. Muita escala. Um projeto de crescimento da pasta, só possível com a “sensibilidade do Executivo”. O “fortalecimento”: grana. Na entrevista, Fufuca usa o verbo construir seis vezes. Construir é ampliar; erguer. Não bastará ter capilaridade. Tem de ocupar. Fisicamente.

Ao Estadão, cuidou do que seriam suas prioridades:

— Sem sombra de dúvida, tentar democratizar o espaço de qualidade do esporte. Temos um déficit absurdo de estrutura física de esporte no Brasil inteiro.

Democratizar: construir. “Democratizar o espaço de qualidade.” Tem de ser palpável e caprichado. As sobras do orçamento secreto já se empenham para levantar “estrutura física” — uns estádios — no Maranhão do ministro.

Como produzir esse “espaço de qualidade do esporte”?

— Primeiro, entrega de orçamento. Para ter estrutura, tem que ter orçamento. Então, a primeira coisa que a gente tem que fazer é ter o apoio do Executivo e correr atrás de orçamento no Legislativo. Isso a gente já está trabalhando para fazer.

Ora: “correr atrás de orçamento no Legislativo” — e nem precisará correr tanto assim, o ex-líder do PP na Câmara — é robustecer o ministério por meio de emendas parlamentares.

Há, porém, muita insatisfação sobre demora na liberação de emendas. Qual o plano para reverter essa dificuldade?

— Primeiro, ampliar o setor responsável por isso aqui. O setor de assessoria parlamentar que tem aqui e o setor que trata de meta é muito deficitário. Tem pouco funcionário. A primeira coisa é fortalecer isso para que a gente possa dar vazão. O ministério tem que ter entrega, tem que ter obras rápidas. Você não pode ficar aguardando uma vida para entregar uma obra.

Ampliar o setor, aumentar o corpo do ministério, para dar vazão à demanda por dinheiros e responder ao “déficit absurdo de estrutura física de esporte”. Construir. Ampliar. Fortalecer. Entregar. Estruturas físicas. Obras. Obras rápidas.

Fufuca até poderá ser ministro de Estado um dia. Hoje é lobista do lirismo — negociador (construtor) de espaços — dentro do governo.

 

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