O Estado de S. Paulo
Na despedida, Rosa Weber expõe um Supremo na vanguarda e um Congresso conservador
Sabem quando todos brigam e ninguém tem toda
razão? É esse o caso da queda de braço entre Supremo e Congresso, em torno de
quatro temas que não são partidários nem ideológicos e dizem respeito a toda a
sociedade: aborto, porte de pequenas quantidades de maconha, casamento
homoafetivo e marco temporal das terras indígenas.
É óbvio (muitas vezes o óbvio precisa ser lembrado) que o Legislativo legisla, o Executivo executa e o Judiciário julga. Porém, o Supremo é acusado há tempos de “furor legiferante”, por tomar decisões com contornos e efeitos de lei e que, portanto, caberiam ao Congresso. Esses quatro temas se encaixam aí.
Se Câmara e Senado têm razão ao exigir
limites óbvios, fica a pergunta: por que o STF invade a esfera legislativa?
Para cobrir o vácuo deixado, por conveniência ou desinteresse, pelo próprio
Congresso, onde os políticos detestam entrar nessas bolas divididas, com a
sociedade rachada ao meio.
É o caso da descriminalização do aborto, que
não se trata de apologia, estímulo, nem mesmo de ser a favor ou contra a
interrupção da gravidez, trata-se de não penalizar a mulher que assim decide.
Até porque, na vida real, mulheres de todas as faixas sociais, das mais ricas
às mais pobres, fazem aborto e não farão mais nem menos com a
descriminalização. Mas só as pobres e pretas estão, de fato, sujeitas à prisão
– e a sequelas graves e até morte.
A questão, em pauta no País e no mundo há
muitas décadas, não foi enfrentada pelo Congresso e chega à pauta do STF com
uma mulher presidindo a corte. Dias antes de se aposentar, Rosa Weber deixou um
voto de 126 páginas, para o plenário e a história, defendendo “justiça social e
reprodutiva” para descriminalizar o aborto até 12 semanas. A ação no STF, não
no Legislativo, é de um partido político, o PSOL.
Se não se manifestou até agora, o Congresso
tende a reagir, assim como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), ao
julgamento no STF sobre porte de maconha para “uso recreativo” e a CCJ à
decisão da Corte que derrubou o marco temporal das terras indígenas.
A Câmara, dominada pelo Centrão e as bancadas
BBB (bala, boi, bíblia), já se arma também contra o casamento homoafetivo e o
deputado Pastor Eurico (PL), relator na Comissão da Família, jogou fora oito
projetos a favor e optou pelo único contra uma decisão histórica do STF, em
2011, que garantiu justiça, direitos e segurança jurídica a casais do mesmo
sexo. Voltar atrás? Mais do que retrocesso jurídico, seria de uma crueldade
inexplicável. O Supremo se identifica com a vanguarda e o Congresso assume um
crescente conservadorismo.
Reacionarismo seria a expressão correta.
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