O Estado de S. Paulo
O ‘JN’ navegou na contracorrente e fez o que devia fazer. A seu modo, protegeu o Brasil contra a sanha fascistizante
Passado o trauma do 8 de janeiro, começaram
a vir os agradecimentos a instituições e personalidades que ajudaram a afastar
do horizonte nacional as aventuras golpistas. Nenhuma surpresa. Era esperado
que assim fosse. Mais ainda, era necessário. Além de devidos, esses sinais
expressos de gratidão fortalecem a cultura democrática e cumprem a função
preciosa de esclarecimento sobre o valor das liberdades e dos direitos fundamentais.
Nessa onda saudável, as homenagens ao Supremo Tribunal Federal e suas autoridades são as mais frequentes. O Supremo e a Justiça Eleitoral foram decisivos na proteção da credibilidade das urnas eletrônicas, credibilidade sem a qual as eleições teriam virado vinagre. No âmbito da corte constitucional, as investigações sobre a indústria da desinformação contribuíram para desmontar embustes mastodônticos que ameaçavam soterrar a opinião pública. A democracia brasileira é devedora da coragem e da correção de magistrados e, por todos os motivos, é bom que isso se proclame em alto volume.
Há excessos em alguns dos procedimentos
judiciais em andamento? Talvez sim. Na virada de 2022 para 2023, vivemos
turbulências de excessos e extremismos no plano dos fatos, que arranharam a
normalidade institucional. Diante disso, as reações da ordem pública aos
atentados de inspiração fascista não tinham sequer espaço para se conduzir sem
incorrer em nenhuma forma de, por assim dizer, exasperação judicante. O tempo,
a História e a própria Justiça nos dirão, logo adiante, onde foi que a mão cega
pesou em demasia. O Estado Democrático de Direito, que foi mantido, dispõe das
ferramentas regulares para corrigir o curso processual do que quer que seja. No
amplo espectro, porém, a toga acertou.
Em outra frente, partidos políticos e
líderes nacionais também vêm merecendo elogios porque, pondo de lado seus
interesses imediatos, militaram para tecer uma frente ampliada, sem a qual o
ex-presidente teria logrado a reeleição. Hoje, a maioria dos analistas admite
que, se a recondução se concretizasse, o sucateamento da máquina administrativa
e o aprofundamento das condutas autoritárias, abastecidas pelo culto das armas
e da violência, avançariam ainda mais, pondo em risco a manutenção dos
fundamentos da República. Portanto, reconheçamos o mérito dos que viabilizaram
a união das siglas contra a deterioração da política.
Há, contudo, uma instituição que não
recebeu os aplausos a que fez jus. Essa instituição é a imprensa. As redações
profissionais, ao se dedicarem à missão de informar com objetividade, de forma
apartidária e crítica, realizaram o trabalho insubstituível de manter vivos, na
textura da chamada esfera pública, os vínculos vitais entre o processo
decisório da cidadania e um lastro mínimo de razão. O jornalismo de qualidade,
dedicado à verdade factual, impediu que parcelas maiores do povo fossem
tragadas pelo fanatismo.
Atenção aqui: quem fez esse trabalho não
foi a Justiça, não foram as agremiações políticas e suas lideranças, mas a
imprensa. Só ela. Ninguém mais. A diferença, em relação aos outros atores,
todos eles imprescindíveis, é que os jornalistas não colheram os louros cívicos
por seu empenho – não na proporção que seria adequada.
Se o improvável leitor precisa de exemplos,
vamos a eles. Pensemos nos percalços da cobertura da pandemia de covid19.
Repórteres se expuseram nas ruas para relatar o que se passava. Estiveram em
hospitais, fotografaram, ouviram as vítimas. Mostraram tudo, com bravura. Nesse
período, o Jornal Nacional realizou uma verdadeira “operação de guerra”, com o
perdão da metáfora um tanto belicista. Numa jornada heroica, buscou os números,
emoldurou os rostos de quem sofria, reportou as orientações mais responsáveis e
mais fundamentadas. Entre uma coisa e outra, mostrou as covas enfileiradas
sendo aterradas por absurdas retroescavadeiras.
Quando, em junho de 2020, a Presidência da
República interrompeu o fornecimento dos dados consolidados da pandemia, com o
indisfarçável propósito de impedir que fossem ao ar em horário nobre, as
empresas jornalísticas formaram o consórcio, substituindo a competição
comercial pela cooperação desinteressada. De novo, o Jornal Nacional se
destacou. As suspeitas de corrupção do ex-presidente e de seus familiares
também foram noticiadas com precisão e firmeza. Você se lembra. Todo mundo se
lembra.
Ao longo daqueles dias horrorosos, a Globo
se distanciou das outras redes de televisão, que preferiam evitar confrontos
diretos com a agenda palaciana. O ex-presidente chegou a intimidá-la
abertamente, como quando, em fevereiro de 2021, ergueu, em seus próprios
braços, um cartaz com os dizeres “Globo Lixo” (uma reedição canhestra do
Lügenpresse nazista). O Jornal Nacional navegou na contracorrente e fez o que
devia fazer. A seu modo, protegeu o Brasil contra a sanha fascistizante.
Agora, quase ninguém reconhece. Por quê?
Será porque o mesmo telejornal foi agressivo na cobertura de outros
governantes? Erros passados, se existiram, anulam um acerto recente? Um pouco
de maturidade, por favor. •
*JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP
Muito bom! Lembram quando o canalha pediu que seus seguidores invadissem hospitais pra filmar seu interior? Dezenas de bolsonaristas realmente INVADIRAM quartos e hospitais para filmar, atrapalhando o atendimento de pacientes e colocando em risco a saúde de todos!
ResponderExcluirhttps://www.cartacapital.com.br/saude/bolsonaro-diz-para-apoiadores-invadirem-hospitais-em-busca-de-leitos-vazios/
Esta é uma quase solitária, ótima e providencial homenagem que Eugênio Bucci presta à imprensa profissional e independente no seu trabalho de escrutíneo das mazelas e crimes praticados por delinquentes no ecercício do poder na presidência da republica, e ilustra a homenagem fazendo destaque ao Jornal Nacional, da Rede Globo.
ResponderExcluir■Não é de hoje que o Jornal Nacional e a Rede Globo como um todo vem fazendo um trabalho exemplar de cobertura das mazelas do poder. E não só a Rede Globo, mas igualmente outros vários grandes veículos de imprensa independente!
Excluir.●. Durante toda a investigação do julgamento do MENSALÃO e do PETROLÃO, e depois, durante todos os escândalos e abusos do poder relacionados à Pandemia de Covid19 e outros escãndalos, a nossa imprensa, destaque ao Jornal Nacional, vem cumprindo seu papel de cobrir com seriedade e implacavelmente, como deve ser nestes casos, os abusos do poder, com a imprensa isenta não se importando se os abusos são liderados por Presidentes da República, se foi LULA o criminoso, se foi TEMER o criminoso ou se foi BOLSONARO o criminoso.
■E toda a imprensa realmente livre e profissional tem pagado um preço por cumprir com integridade seu papel de contribuir para investigar e denunciar.
▪A Rede Globo, por exemplo, é repetidamente xingada pelas duas forças politicas brasileiras mais retrógradas e ligadas ao que há de mais antidemocrático no mundo, sendo chamada pelo bolsonarismo de "Rede Lixo" e pelo lulismo e por quase todo o petismo em geral de "Rede Golpe".
■Viva a nossa imprensa livre e profissional!
■Liberdade e democracia começam por ter uma grande, independente e destemida imprensa!
●E para verdadeiramente homenagear o trabalho livre e isento da imprensa tem que repercutir o profissionalismo e destemor inteiro e em relação a todos os delinquentes, mesmo que sejam Presidentes da República aos quais se tenha sido ligados:: ▪Esta questão da moralidade pública e da democracia é uma questão que não pode ser tratada com recortes, com parcialidade, homenageando o combate a alguns delinquentes, corruptos e ligados a autoritarismo e fazendo de conta que esqueceu outros igualmente delinquentes, corruptos e ligados a autoritarismo e que também foram combatidos e denunciados pela nossa valorosa imprensa.
A Globo merece um prêmio.
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