O Estado de S. Paulo
O STF reitera uma narrativa política, mas não consegue apagar os fatos
Injustiça histórica é um termo relativo,
empregado por quem quer o domínio da narrativa. Raramente tem a ver com fatos.
Ao empregar essa expressão para anular a Lava Jato, o STF está se dedicando ao
embate político.
Não chega a ser surpresa. O STF é hoje uma
instância política, que toma decisões políticas, calculando o efeito e
consequências políticas. Portanto, passível de ser visto por um ou pelo outro
lado do embate de forças políticas como o supremo emanador de injustiças.
Sabe-se lá qual será o domínio da narrativa no futuro.
A questão de credibilidade da instituição se torna especialmente aguda quando suas decisões surgem para enorme parte da sociedade como tentativa de apagar fatos graves e incontestáveis: a imensa roubalheira revelada pela Lava Jato. Sob o comando do partido que hoje está de volta ao poder.
É possível debater do ponto de vista “técnico-jurídico”
quantas regras foram infringidas pelos que se dedicaram a combater os crimes de
corrupção. A alegada “injustiça histórica” pelo STF, porém, supõe que tudo não
passou de uma articulação de forças políticas contrárias às que voltaram a
governar o País.
O grau de desvio de dinheiro público e de
uso de estatais como a Petrobras para enriquecer agentes públicos e sustentar
um projeto de poder político reforçou um enorme sentimento de indignação em
vastos setores da sociedade brasileira. Mas não é ele que necessariamente colou
na política a pecha de “jogo sujo”.
O fenômeno social e político associado à
campanha anticorrupção não é o único e talvez nem sequer o fator mais
importante para entender como uma vertente de extrema direita se consolida na
figura de dirigentes políticos boçais e deságua nas cenas deprimentes do 8 de
Janeiro. O grande caldo de cultura subjacente é o de uma sociedade desordeira,
sem grande apego a valores de comunidade, carente de lideranças abrangentes e
profundamente desconfiada dos sistemas político e de governo.
No fundo, o que revela a decisão do STF ao
reparar a “injustiça histórica” é uma sucessão acabrunhante de fracassos de
quem cometeu crimes para combater crimes, dos órgãos de supervisão e controle
(como o próprio Supremo e seus ziguezagues), das forças políticas que prometem
mudanças enquanto mantêm e prosperam no ambiente de mais do mesmo, não importa
como se intitulem.
Há quem enxergue na reparação da tal
injustiça histórica um país sendo resgatado para o futuro. Na verdade, parece
preso a mazelas políticas, econômicas e sociais de sempre. Fica uma espécie de
sentimento de vergonha de se constatar que não há mais vergonha. •
Sei.
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