Valor Econômico
Luís Roberto Barroso assume o posto com o
desafio de ajudar no processo de pacificação do país
Com vista para a Praça dos Três Poderes, o
amplo gabinete que o ministro Luís Roberto Barroso passará a despachar a partir
dessa quinta-feira (28), depois de tomar posse na presidência do Supremo
Tribunal Federal (STF), carrega as lembranças do 8 de janeiro.
Sua antecessora no cargo, Rosa Weber,
reconstruiu todo o local. Mas é inegável que a gestão da ministra foi marcada
pela tentativa de golpe e pela reação das instituições em defesa do Estado
Democrático de Direito, assim como o próprio 8 de janeiro acaba influenciando o
planejamento estratégico do presidente que agora toma posse nesta semana.
Barroso assume o posto com o desafio de ajudar no processo de pacificação do país, equilibrando-se entre a exposição e a responsabilidade que a nova função lhe confere.
É de se esperar que a Corte intensifique os
esforços de comunicação, depois de ter sido presidida por uma magistrada de
carreira que ao longo da sua trajetória ficou conhecida pela aversão aos
holofotes.
Barroso tem outro perfil, e existe a
expectativa que as decisões do Supremo passem a ser explicadas de forma mais
didática para a imprensa a cada sessão. Talvez até mesmo pelo próprio
presidente da Corte. Detalhando a racionalidade existente por trás de cada
decisão, acredita-se no Supremo, pode ser possível reduzir eventuais ruídos
políticos eventualmente causados pelos julgamentos.
Em outra frente, a imagem do Judiciário
também irá melhorar se Barroso conseguir implementar o plano de acelerar a
tramitação dos processos hoje em análise no Judiciário, estimados em cerca de
800 milhões. É verdade que a tramitação eletrônica tem aumentado
proporcionalmente, mas, ainda assim, os números do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) são inacreditáveis. É o chamado custo-Brasil: os casos processados na
forma física aguardam, em média, quase 11 anos para a conclusão, enquanto as
ações que tramitam em sistemas eletrônicos têm duração média de três anos e
meio. É muito.
Outra missão de Barroso será ampliar o número
de mulheres nos tribunais. Esse tema, aliás, ganhou ainda mais evidência a
partir do momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descartou
levar em consideração o critério de gênero na sucessão de Rosa Weber, que se
aposenta na semana que vem.
A ministra não tem escondido o
descontentamento com a decisão. Por outro lado, Rosa Weber conseguiu dar um
importante primeiro passo em um projeto que tem tudo para ser encampado por
Barroso em seus planos de elevar a presença das mulheres nos tribunais.
Nessa terça-feira (26), na reta final do
mandato da ministra, o CNJ aprovou a implementação de uma regra que intercala
homens e mulheres na promoção de juízes no país, como forma de reparar a falta
de equidade de gênero na magistratura. Infelizmente, contudo, a nova norma
valerá apenas para promoções por merecimento.
A intenção inicial era aplicá-la também para
o critério de antiguidade, mas os membros do CNJ decidiram não mexer nesse
vespeiro. Avalia-se, inclusive no STF, que a promoção por antiguidade é
considerada um dogma dentro do Judiciário. Acabar com esse critério geraria
instabilidades dentro da magistratura.
Mas essa questão precisará ser enfrentada
cedo ou tarde. Dados do relatório “Justiça em números 2023”, do próprio CNJ,
mostram que o percentual de magistradas em todo Poder Judiciário é de 38% ante
62% de homens. Na Europa, as juízas correspondem a mais da metade da
magistratura, com 58,5% das vagas. “Entre desembargadores e desembargadoras, as
mulheres representam 25% e, entre ministros e ministras, 18%”, diz o documento.
O relacionamento institucional deve ser outro
foco da gestão Barroso. Nos próximos dois anos, duração do mandato do ministro
à frente do Supremo, deve-se ver um presidente da Corte aberto ao diálogo com
os mais diversos segmentos da sociedade: das centrais sindicais às federações
da indústria, do agronegócio a ambientalistas. E a ideia é que desse processo
surjam consensos mínimos em matérias que normalmente dividem a sociedade brasileira.
No entanto, um desafio já colocado é a reação
do Congresso à disposição do STF de julgar a descriminalização do porte de
drogas para uso pessoal, do aborto e concluir a análise sobre as indenizações
decorrentes de demarcações de terras indígenas. Se um dia o relacionamento com
o Poder Executivo foi a maior fonte de atritos institucionais do Judiciário,
hoje o que demanda mais atenção é a interação com o Congresso.
Quanto a relação com os militares, não é de
se esperar atritos. Nem mesmo depois de o Tribunal Superior Eleitoral ter
decidido excluir as Forças Armadas da relação de entidades que podem participar
da fiscalização do sistema eletrônico de votação, revendo uma decisão de
Barroso quando ele presidia o TSE.
Quando decidiu convidar um militar para
compor essa comissão, o então presidente da Corte Eleitoral indicou um
profissional com perfil técnico que depois foi substituído pelo governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro. E ainda assim os representantes das Forças
produziram um relatório no qual disseram que nenhuma falha foi encontrada no
sistema. Barroso tem a missão de ajudar no processo de pacificação nacional. A
cerimônia de posse deve mostrar se os seus primeiros passos já caminham nessa
direção.
Tomara que consiga.
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