quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Fernando Exman - O Supremo Tribunal Federal sob nova gestão

Valor Econômico

Luís Roberto Barroso assume o posto com o desafio de ajudar no processo de pacificação do país

Com vista para a Praça dos Três Poderes, o amplo gabinete que o ministro Luís Roberto Barroso passará a despachar a partir dessa quinta-feira (28), depois de tomar posse na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), carrega as lembranças do 8 de janeiro.

Sua antecessora no cargo, Rosa Weber, reconstruiu todo o local. Mas é inegável que a gestão da ministra foi marcada pela tentativa de golpe e pela reação das instituições em defesa do Estado Democrático de Direito, assim como o próprio 8 de janeiro acaba influenciando o planejamento estratégico do presidente que agora toma posse nesta semana.

Barroso assume o posto com o desafio de ajudar no processo de pacificação do país, equilibrando-se entre a exposição e a responsabilidade que a nova função lhe confere.

É de se esperar que a Corte intensifique os esforços de comunicação, depois de ter sido presidida por uma magistrada de carreira que ao longo da sua trajetória ficou conhecida pela aversão aos holofotes.

Barroso tem outro perfil, e existe a expectativa que as decisões do Supremo passem a ser explicadas de forma mais didática para a imprensa a cada sessão. Talvez até mesmo pelo próprio presidente da Corte. Detalhando a racionalidade existente por trás de cada decisão, acredita-se no Supremo, pode ser possível reduzir eventuais ruídos políticos eventualmente causados pelos julgamentos.

Em outra frente, a imagem do Judiciário também irá melhorar se Barroso conseguir implementar o plano de acelerar a tramitação dos processos hoje em análise no Judiciário, estimados em cerca de 800 milhões. É verdade que a tramitação eletrônica tem aumentado proporcionalmente, mas, ainda assim, os números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são inacreditáveis. É o chamado custo-Brasil: os casos processados na forma física aguardam, em média, quase 11 anos para a conclusão, enquanto as ações que tramitam em sistemas eletrônicos têm duração média de três anos e meio. É muito.

Outra missão de Barroso será ampliar o número de mulheres nos tribunais. Esse tema, aliás, ganhou ainda mais evidência a partir do momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descartou levar em consideração o critério de gênero na sucessão de Rosa Weber, que se aposenta na semana que vem.

A ministra não tem escondido o descontentamento com a decisão. Por outro lado, Rosa Weber conseguiu dar um importante primeiro passo em um projeto que tem tudo para ser encampado por Barroso em seus planos de elevar a presença das mulheres nos tribunais.

Nessa terça-feira (26), na reta final do mandato da ministra, o CNJ aprovou a implementação de uma regra que intercala homens e mulheres na promoção de juízes no país, como forma de reparar a falta de equidade de gênero na magistratura. Infelizmente, contudo, a nova norma valerá apenas para promoções por merecimento.

A intenção inicial era aplicá-la também para o critério de antiguidade, mas os membros do CNJ decidiram não mexer nesse vespeiro. Avalia-se, inclusive no STF, que a promoção por antiguidade é considerada um dogma dentro do Judiciário. Acabar com esse critério geraria instabilidades dentro da magistratura.

Mas essa questão precisará ser enfrentada cedo ou tarde. Dados do relatório “Justiça em números 2023”, do próprio CNJ, mostram que o percentual de magistradas em todo Poder Judiciário é de 38% ante 62% de homens. Na Europa, as juízas correspondem a mais da metade da magistratura, com 58,5% das vagas. “Entre desembargadores e desembargadoras, as mulheres representam 25% e, entre ministros e ministras, 18%”, diz o documento.

O relacionamento institucional deve ser outro foco da gestão Barroso. Nos próximos dois anos, duração do mandato do ministro à frente do Supremo, deve-se ver um presidente da Corte aberto ao diálogo com os mais diversos segmentos da sociedade: das centrais sindicais às federações da indústria, do agronegócio a ambientalistas. E a ideia é que desse processo surjam consensos mínimos em matérias que normalmente dividem a sociedade brasileira.

No entanto, um desafio já colocado é a reação do Congresso à disposição do STF de julgar a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, do aborto e concluir a análise sobre as indenizações decorrentes de demarcações de terras indígenas. Se um dia o relacionamento com o Poder Executivo foi a maior fonte de atritos institucionais do Judiciário, hoje o que demanda mais atenção é a interação com o Congresso.

Quanto a relação com os militares, não é de se esperar atritos. Nem mesmo depois de o Tribunal Superior Eleitoral ter decidido excluir as Forças Armadas da relação de entidades que podem participar da fiscalização do sistema eletrônico de votação, revendo uma decisão de Barroso quando ele presidia o TSE.

Quando decidiu convidar um militar para compor essa comissão, o então presidente da Corte Eleitoral indicou um profissional com perfil técnico que depois foi substituído pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. E ainda assim os representantes das Forças produziram um relatório no qual disseram que nenhuma falha foi encontrada no sistema. Barroso tem a missão de ajudar no processo de pacificação nacional. A cerimônia de posse deve mostrar se os seus primeiros passos já caminham nessa direção.

 

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