Folha de S. Paulo
Maconha medicinal é estratégia tentadora para
quem quer legalizar a erva, mas não é a ideal
Chega a 72% a
proporção dos brasileiros que se opõem à legalização da maconha para uso
recreativo, mas são 76% os que a defendem em contextos médicos. Os
números do Datafolha tornam
quase irresistível para os militantes canábicos adotar a estratégia de lutar
pela legalização pela via do uso terapêutico, a chamada maconha
medicinal. Não gosto desse caminho.
Faz uns 20 anos que defendo em colunas a legalização não só da Cannabis mas de todas as drogas. E obviamente também sou favorável às pesquisas que procuram identificar as propriedades terapêuticas dos princípios ativos da maconha e de sua utilização em situações clínicas. Mas sou contra misturar as estações. Quando o fazemos, o prejuízo é duplo.
Em primeiro lugar, deixamos de travar a
discussão filosófica que importa, que é aquela sobre os limites da
interferência do Estado na vida do cidadão. Eu jamais assinaria um contrato
social em que delegaria a meus vizinhos (sociedade) a decisão sobre quais
substâncias posso ou não ingerir. Penso que o poder público tem legitimidade
para regulamentar o uso de drogas a fim de reduzir seus impactos sociais
secundários (leis contra dirigir embriagado, por exemplo), mas não para
proibi-las.
Em segundo lugar, esse é um caminho que
desgasta a medicina. Quando morei em Michigan (EUA),
o estado acabara de autorizar a maconha medicinal. Amigos iam a médicos, se
queixavam de alguma dor recorrente e, com isso, recebiam uma prescrição que
lhes permitia tirar a carteirinha de usuários legalizados. Não digo que essas
consultas eram uma fraude, mas o objetivo dos meus amigos era muito mais
recreativo do que terapêutico. Eles estavam instrumentalizando a consulta, e os
médicos não reclamavam porque ganhavam para alugar seu carimbo.
Meu ponto é que a medicina deveria atuar só
com objetivos científicos e assistenciais, não como um atalho cartorial para
quem quer apenas fumar seu baseado em paz.
Maconha e cerveja são as piores drogas.
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