Folha de S. Paulo
Instituto da delação premiada é
indispensável para desbaratar organizações criminosas
Nossas intuições morais foram forjadas
no Pleistoceno,
quando ser aceito pelo bando era indispensável à sobrevivência. Isso acirrou
nossos sentimentos de lealdade ao grupo e, por simetria, a ojeriza à traição. O
Pleistoceno acabou 10 mil anos atrás, mas ainda carregamos suas marcas.
De Bruto e Cássio a Judas, traidores são objeto de opróbrio universal, na literatura e na vida real. Códigos penais punem com mais rigor criminosos que se valem de ardis. Nos presídios, alcaguetas têm expectativa de vida menor do que quem sabe ficar de boca fechada. Até advogados de defesa olham com desconfiança para o instituto da delação premiada.
Se pessoas normais já ficam com um pé atrás
em relação a quem possa ser visto como traidor,
não surpreende que bolsonaristas exaltados queiram empalar e esquartejar o
tenente-coronel Mauro Cid,
que fechou
um acordo de delação premiada. Mas será que podemos chamar Mauro Cid de
traidor?
Do Pleistoceno até os dias de hoje, as
sociedades ficaram mais complexas. Se antes todos sabiam a qual bando cada
indivíduo pertencia, uma pessoa hoje integra simultaneamente vários grupos. Um
soldado, por exemplo, tem família, amigos, correligionários, mas também seu
pelotão, o Exército e superiores hierárquicos. É ainda um servidor do Estado
brasileiro. A quem ele deve lealdade?
A superposição de tantas camadas pode
confundir a bússola moral, mas, do ponto de vista da cidadania, não há dúvida
de que a lealdade última é para com o Estado e suas leis. Sob esse prisma,
Mauro Cid, ao relatar ainda que tardiamente crimes de que tem ciência, frustra
alguns dos grupos a que pertence, mas se mostra fiel ao país.
Exatamente!
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