Correio Braziliense
A PF já tem muitas provas
contra o ex-presidente, inclusive trocas de mensagens incriminatórias entre o
seu ex-ajudante de ordens e o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.
Ao optar pela Lei de Murici, a defesa do
tenente-coronel Mauro Cid deixou o ex-presidente Jair Bolsonaro e os demais
envolvidos no caso da venda das joias recebidas de presente da Arábia Saudita,
inclusive a primeira-dama Michele Bolsonaro, diante de um desastre anunciado,
que pode até terminar na cadeia. O depoimento de Mauro Cid à Polícia Federal
durou 10 horas e quebrou o pacto de silêncio em torno do ex-presidente da
República, que está cada vez mais vendido na história.
O ex-ajudante de ordens teve tempo de sobra
para explicar o “rolo” do Rolex cravejado com brilhantes que Bolsonaro recebeu
de presente da Arábia Saudita, além de outras joias. Foi vendido nos Estados
Unidos pelo general Lorena Cid, seu pai, e recomprado pelo advogado Frederick
Wassef, para ser devolvido ao Patrimônio da União. Nos bastidores da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas, negocia-se uma
delação premiada com a defesa de Mauro Cid. Seu novo advogado, Cezar Bitencourt,
adotou uma linha independente da defesa.
Em conversa com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito, o presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (PP-BA), e a relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), receberam sinal verde para fazer o acordo. Há dúvidas sobre as consequências jurídicas que um acordo dessa natureza teria: seria um fato jurídico inédito, sujeito a eventual nulidade.
O depoimento de Mauro Cid desorientou a
defesa de Bolsonaro (PL) e da ex-primeira-dama Michelle, que estavam sendo
blindados por uma única versão dos fatos. Por essa razão, permaneceram em
silêncio ao serem interrogados pela PF, que colheu oito depoimentos de forma
simultânea, para impedir que uma só versão fosse combinada pelos advogados.
Também foram ouvidos: o general Lorena Cid,
que foi colega ex-presidente na Aman; o advogado Frederick Wassef; o ex-chefe
de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten; e os ex-assessores especiais
Marcelo Câmara e Osmar Crivellati. O advogado de Bolsonaro adotou a linha de
que o ministro Alexandre de Moraes não é o juiz natural do caso, que deveria
tramitar em Guarulhos, em cujo aeroporto as joias foram apreendidas pela
Receita Federal.
A grande preocupação de Mauro Cid seria com
a própria família, principalmente seu pai, que participou da operação de venda
do Rolex nos Estados Unidos. A PF já tem muitas provas, inclusive trocas de
mensagens incriminatórias entre o ex-ajudante de ordens e o ex-secretário de
Comunicação Fábio Wajngarten.
Segundo o jornal O Estado de São Paulo, uma
delas dizia: “o pior é que está tudo documentado”, ao se referir ao empenho de
Bolsonaro para recuperar as joias apreendidas no aeroporto de Guarulhos, em
2021, com um assessor do ex-ministro de Minas Bento Albuquerque. Wajngarten
respondeu a Mauro Cid: “Eu nunca vi tanta gente ignorante na minha vida”.
Bolsonaro tentou reaver as joias antes de viajar para os EUA, em dezembro de
2022.
Cada um por si
A linha adotada pelo advogado Cezar
Bitencourt na defesa de Mauro Cid é mesmo a Lei de Murici, em meio a
declarações contraditórias, inclusive sobre a delação premiada. Argumenta que
Mauro Cid cumpria ordens diretas do presidente da República. “Em tempo de
Murici, cada um cuida de si”, disse o coronel Pedro Tamarindo, ao ordenar a
retirada das tropas do Exército na terceira campanha de Canudos, um dos maiores
desastres militares de nossa história, depois de assumir o seu comando.
Consagrado na Guerra do Paraguai, o
sanguinário coronel Moreira César fora nomeado para comandar a terceira
expedição militar contra Canudos, após o fracasso das anteriores, diante dos
jagunços de Antônio Conselheiro. Partiu do Rio para a Bahia com 1.281 soldados,
seis canhões Krupp, cinco médicos, dois engenheiros militares, ambulâncias e um
comboio de munições e mantimentos. Foi mortalmente ferido no ventre, quando se
preparava para invadir o arraial de Antônio Conselheiro. Foi substituído pelo
coronel Pedro Tamarindo, que decidiu recuar, após sete horas de combate.
Foi trágico aquele 3 de fevereiro de 1897:
“(…) recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os
cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os
corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regularmente
espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos
marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs
multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas,
cantis e mochilas(…) empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo do
tenente-coronel Tamarindo”, revelou-nos Euclides da Cunha (Os Sertões, Ateliê)
Cruzes!
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