Correio Braziliense
Homem-bomba, o militar pode revelar os
bastidores dessa história e muito mais. Só havia uma pessoa acima do
ex-ajudante de ordens da Presidência: Jair Bolsonaro
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de
ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, teve o pedido de delação premiada
homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Estava preso desde maio deste ano, no Batalhão de Polícia do Exército, em
Brasília, por suspeitas de ter participação do esquema de falsificação de
vacina contra covid-19. No decorrer do processo, descobriu-se o envolvimento do
militar na tentativa de golpe de 8 de janeiro e na venda de joias que Bolsonaro
e a mulher, Michele, haviam recebido de presente da Arábia Saudita. Essas joias
foram posteriormente recompradas e entregues ao Patrimônio da União.
Segundo o pedido de homologação da delação premiada, Mauro Cid fez revelações e forneceu provas que dão credibilidade ao seu pedido, durante quase 30 horas de depoimentos prestados à Polícia Federal. A mudança de postura do militar teve como catalisador seu depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI), na qual foi duramente inquerido pela relatora Eliziane Gama sobre a situação em que havia deixado sua própria família.
“SRA. ELIZIANE GAMA (PSD-MA) – Sr. Mauro
Cid, eu quero até dizer pro senhor que a pergunta que vou fazer, para mim,
pessoalmente, é algo até muito difícil, porque muitas mulheres aqui são mães —
e há pais também. Nós temos filhos adolescentes, e eu pessoalmente tenho duas
filhas adolescentes. E o senhor juntamente com a sua esposa e as suas filhas
viajaram e fizeram uso de comprovante de vacinação falso para burlar as
exigências sanitárias. O senhor tem ciência, na verdade, dessas implicações
criminais, de fatos que são relativos, inclusive, à sua família? — inclusive,
algumas delas, de menor idade. Por exemplo, o art. 297 e também o 307 do Código
Penal são muito claros em relação a esse ponto…”, registraram as notas
taquigráficas.
Homem-bomba
Na ocasião, o questionamento provocou um
tumulto na CPMI, envolvendo os deputados Delegado Éder Mauro (PL-PA), Nikolas
Ferreira (PL-MG) e Rafael Brito (MDB-AL), o que exigiu a intervenção do presidente
da CPMI, deputado Arthur Maia (União-BA), que esclareceu que o objeto da
comissão é o 8 de janeiro. Invocou o direito de Mauro Cid permanecer calado,
mas garantiu a palavra da relatora. Eliziane voltou à carga:
“Sr. Mauro Cid, a sua filha mais velha, Beatriz,
estuda nos Estados Unidos — aliás, me parece uma menina estudiosa, dedicada — e
porta no país o certificado de vacinação emitido claramente com fraudes
apontadas na investigação no âmbito da Polícia Federal. A vida, naturalmente,
dela para o senhor é a que mais importa, assim como importa para todos nós a
vida de nossos filhos, mas elas foram submetidas claramente a uma situação de
ilegalidade. E aí o processo de investigação hoje em curso da Polícia Federal
aponta claramente um indicativo de sua parte, a partir desses encaminhamentos,
da inserção de dados falsos. A partir de filmagens inclusive e eventuais
documentações obtidas junto ao Aeroporto de Guarulhos, do dia 7 de dezembro de
2021, é possível que se consiga comprovar que uma de suas filhas saiu rumo aos
Estados Unidos às 19h26, em voo da Latam, num momento em que, segundo a própria
embaixada norte-americana no Brasil, era obrigatória a apresentação do cartão
de vacinação pelo passageiro. Isso é claro. Todos nós sabemos que ninguém saia
do Brasil naquele momento sem efetivamente ter essa carteira de vacinação, ou
seja, está claro que houve, por parte de seus familiares, a utilização de um
cartão de vacinação falsificado por V. Sa. O senhor confirma essa informação ou
não?”
Na CPMI, Mauro Cid justificou o silêncio
com o argumento de que respondia a 8 investigações e sua defesa era técnica.
Permaneceu calado, mas sentiu que era o fim da linha, porque a CPI também tinha
informação de que estava combinando sua defesa com outros envolvidos, especialmente
o ex-subchefe do estado-maior do Exército, coronel Jean Lawand Junior, que o
visitara na prisão. Foi, então, que começou a “cantar” na Polícia Federal, sob
orientação de seu novos advogado, Cezar Bitencourt, que mudou a linha de defesa
do militar logo que assumiu a causa. Sua tese central, de que Mauro Cid cumpriu
ordens de Bolsonaro, foi a porta aberta para a delação premiada.
Rompeu-se, assim, o pacto de silêncio com o
presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michele Bolsonaro, o ex-secretário
de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten e os ex-assessores especiais
Marcelo Câmara e Osmar Crivellati. A defesa de Bolsonaro adotou a linha de que
o ministro Alexandre de Moraes não é o juiz natural do caso, que deveria
tramitar em Guarulhos, em cujo aeroporto as joias foram apreendidas pela
Receita Federal.
O pai de Mauro Cid, o general Lourena Cid,
está ainda mais enrolado do que a nora e as netas. Participou da venda do Rolex
cravejado com brilhantes que Bolsonaro recebeu de presente da Arábia Saudita,
além de outras joias. O relógio de alto luxo foi recomprado pelo advogado
Frederick Wassef, para ser devolvido ao Patrimônio da União. Homem-bomba, Mauro
Cid pode revelar os bastidores dessa história e muito mais. Só havia uma pessoa
acima do ex-ajudante de ordens: Bolsonaro.
Pois é.
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