O Estado de S. Paulo
Em algum momento, especialmente quando da
nomeação de ministros, pode se tornar inevitável levar em conta padrões de
competência, eficiência e produtividade
Parece piada falar em reforma administrativa, um dos assuntos quentes das últimas semanas, quando o presidente da República loteia cargos e planeja criar um 38.º ministério, destinado, oficialmente, a cuidar das pequenas e médias empresas. Até a palavra administração vira deboche, quando políticos são citados como prováveis futuros ministros e nada se conta sobre suas qualificações. O deboche tornou-se mais escandaloso quando Ana Moser, ministra do Esporte, apareceu como possível objeto de negócio – agora confirmado – no trocatroca político. As qualificações da ministra envolvem muito mais que vitórias notáveis em torneios nacionais e internacionais. Seu currículo inclui trabalhos importantes no desenvolvimento do esporte e da educação. Mas atributos como esses parecem perder relevância, quando se trocam postos de primeiro escalão por apoio parlamentar, sem levar em conta detalhes como experiência, competência administrativa ou preparo técnico. É um dos custos, poderão dizer em Brasília, do tal presidencialismo de coalizão. Tudo certo, então?
Mas presidencialismo, com ou sem coalizão,
é uma forma ou tipo de governo – e governo significa, a rigor, algo mais que a
mera ocupação da máquina do poder. Governar é uma das funções mais importantes
da vida social. Envolve muito mais que decidir e mandar. Mesmo em regimes
autoritários, esperam-se do governante escolhas sensatas e ações socialmente
benéficas. Isso requer eficiência, isto é, uso produtivo dos meios disponíveis.
Mas esse requisito é pouco discutido no Brasil. Projeções orçamentárias, condições
de arrecadação e metas fiscais são temas intensamente debatidos na Praça dos
Três Poderes, no mercado e na imprensa. Raramente se pergunta, no entanto, se
as funções custeadas pelo Tesouro foram conduzidas de forma eficiente, com o
máximo aproveitamento de cada real desembolsado.
Dá-se muita importância, quando se fala de
reforma administrativa, a assuntos como supersalários e desigualdades de
remuneração. Alguns dos casos discutidos são escandalosos e chocantes. Podem
ser muito difíceis de resolver, quando o debate envolve relações entre Poderes
ou direitos de fato ou supostamente adquiridos. Mas a discussão raramente se
volta para um tema fundamental em termos econômicos, administrativos e de
direitos dos cidadãos: qual o produto gerado pela máquina pública? Pode-se
desdobrar essa pergunta em várias outras: o pessoal empregado no setor
governamental trabalha tanto e tão bem quanto poderia ou deveria? Sua atividade
é bem conduzida e supervisionada? Seus dirigentes, nos vários escalões, são
competentes e empenhados em suas funções? Quais são os critérios seguidos na
distribuição de postos e nas promoções?
No setor privado, a atenção maior ou menor
a essas questões pode resultar na prosperidade ou no fracasso de um
empreendimento. Favoritismo e critérios pessoais podem prevalecer em certos
casos, mas quase sempre de forma excepcional e sem riscos muito sérios para a
atividade da empresa. Na área pública, a má administração tende a ser
desastrosa para a maior parte da sociedade, mas governos podem sobreviver muito
mais longamente que negócios particulares. Essa afirmação é facilmente
comprovada quando se observa a experiência argentina. A Casa Rosada continua
operando sem interrupção, apesar do acúmulo de erros cometidos, em longos
períodos, por seus ocupantes.
Não se trata, no entanto, apenas de perecer
ou sobreviver, ou de acumular mais ou menos erros. Mesmo sem errar de forma
desastrosa, um governo pode falhar gravemente em suas tarefas, se for conduzido
sem atenção a critérios de competência e de produtividade. Esses critérios
foram claramente menosprezados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em
mandatos anteriores. Muito menos foram valorizados até hoje pelo PT, mais
empenhado em ocupar espaços do que em aperfeiçoar a administração pública. O
desprezo a critérios gerenciais fica mais evidente quando o chefe de governo
discute e negocia nomeações sem considerar, de forma perceptível, competência e
qualidades funcionais.
Ao aceitar negociações desse tipo, mesmo
hipoteticamente, o presidente, dirão alguns, dá prioridade a um objetivo
fundamental: obter o suporte necessário para governar. Sem esse apoio, nenhuma
boa intenção terá efeitos práticos. Mas esse argumento de nenhum modo reduz a
importância das preocupações quanto à eficiência de um governo sustentado com
dinheiro do cidadão. Quantas pessoas manifestam essas preocupações, em Brasília
ou em outros meios envolvidos no debate?
Resultados fiscais são apenas um dos
critérios de avaliação de um governo. Definição e condução de programas de
modernização e de expansão econômica também são obviamente importantes. Mas
pode tornar-se inevitável, em algum momento, especialmente quando se trate da
nomeação de ministros, levar em conta padrões de competência, eficiência e
produtividade. Numa etapa seguinte, a produtividade do setor governo talvez se
torne, finalmente, um tema relevante na discussão política brasileira.
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