Correio Braziliense
Haddad e Tebet terão que administrar
simultaneamente o “fogo amigo” da Esplanada e as bolas nas costas da Comissão
Mista de Orçamento do Congresso
O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, encaminhado nesta quinta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional, reflete o conflito distributivo existente no país, que repercute dentro do próprio governo federal. Nada demais, a disputa por verbas na Esplanada faz parte, não fosse o fato de que as decisões sobre o Orçamento da União são tomadas pelo Parlamento, que joga para a arquibancada, e não para o equilíbrio da economia, embora a narrativa seja essa. Ao mesmo tempo em que prorroga a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, que impacta fortemente a arrecadação federal, o Congresso não quer cortar na própria carne, ou seja, nas emendas parlamentares.
A contrapartida do governo é a chamada
“recuperação fiscal do Estado”, que são medidas para aumentar a arrecadação, o
que provoca urticária no mercado. Há também setores do governo que não querem
se submeter ao ajuste da meta “deficit fiscal zero” em 2024. Volta o velho
discurso de que um pouco de deficit e, consequentemente, mais inflação fazem a
economia girar e financiam os gastos públicos. Os mais pobres, naturalmente,
não têm como se proteger da desvalorização da moeda.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a
ministra do Planejamento, Simone Tebet, terão que administrar simultaneamente o
“fogo amigo” da Esplanada e as bolas nas costas da Comissão Mista de Orçamento
do Congresso, que é voraz. A farra de emendas do chamado orçamento secreto,
durante o governo Bolsonaro, um dia ainda será contada. O governo se equilibra
entre o cumprimento de promessas de campanha, como a recuperação do salário
mínimo, e a tarefa de “zerar o deficit” em 2024, meta que muitos veem com
desconfiança. A propósito, a proposta é elevar o mínimo para R$ 1.421 em 2024,
um aumento de R$ 101 em relação ao valor atual.
Além disso, pretende arrecadar mais R$ 168
bilhões com o pacote tributário que será encaminhado junto com o Projeto de Lei
Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, elaborado pelo Ministério do Planejamento.
Expectativa maior do que aquela que estava sendo ventilada, que seria em torno
de R$ 130 bilhões. Para fazer o contraponto com o governo, o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende uma reforma administrativa visando cortar
gastos do Executivo. Com a outra mão, o Centrão se articula para criar e
abocanhar mais um ministério: o das pequenas e médias empresas. A proposta
também tem apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O mercado recebeu com ceticismo a proposta
de “deficit zero”, mas tanto Haddad quanto Tebet têm assegurado que tomarão as
providências necessárias para atingir esse objetivo. Na verdade, o êxito
depende de medidas como o voto de qualidade no Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf) e a regulamentação do impacto de incentivos tributários
estaduais na base de arrecadação federal, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Arcabouço fiscal
Medidas importantes enfrentam grande
resistência no Congresso, como a cobrança do Imposto de Renda sobre fundos
exclusivos e fundos offshore, o fim do mecanismo de Juros sobre o Capital
Próprio (JCP) e a regulamentação das apostas eletrônicas. O governo tem a seu
favor as regras do novo arcabouço fiscal, se forem cumpridas. Para os
analistas, os gatilhos deverão ser efetivamente acionados caso a meta não seja
respeitada. Em contrapartida, a alteração da meta, como defendem alguns integrantes
do governo, seria uma espécie de descredenciamento do próprio arcabouço.
Expectativas de receita como a arrecadação de R$ 54 bilhões em multas pelo Carf
também são consideradas exageradas.
Não se tem uma estimativa realista sobre o
impacto da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da
economia até 31/12/2027. Esse dispositivo foi criado em 2011, pelo governo
Dilma, com caráter temporário, em razão da crise financeira mundial de 2008,
para socorrer os setores de tecnologia da informação, equipamentos de
comunicação, vestuário, calçados, móveis, couro e peles. Desde então, o
programa foi sucessivamente prorrogado. Segundo a Receita Federal, o benefício
tributário relacionado à folha de salários custa R$ 9,4 bilhões por ano, quantia
elevada para quem pretende zerar o deficit fiscal em 2024.
O maior fantasma, porém, é externo: a
desaceleração da China e a elevação dos juros nos EUA, em meio a uma guerra
comercial entre os dois países. Está em curso uma mudança geopolítica, em que as
cadeias globais de valor estão se regionalizando. O Brasil precisa de uma
estratégia de integração à economia mundial num ambiente complexo. Enquanto os
Estados Unidos reduzem sua dependência em relação à China, os chineses deslocam
seu foco para o chamado Sul Global. Para complicar, a guerra da Ucrânia
continua sua escalada, sem nenhuma perspectiva de paz no horizonte.
Em contrapartida, a pauta ambiental é uma
grande oportunidade. Uma estratégia de transição da economia de carbono para a
economia verde impõe-se como uma necessidade urgente. Com 56% de matriz
energética com fontes renováveis, o Brasil pode sair na frente nesse quesito,
dependendo da capacidade de captar investimentos. Tudo isso, porém, depende de
uma economia equilibrada do ponto de vista fiscal.
Pois é.
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