O Globo
Nem a habilidade de Múcio garante que será
possível evitar que os militares sejam confrontados com alguns fatos dos anos
Bolsonaro
Com a costura sutil, em fio de náilon
transparente, do ministro José Múcio, vai sendo alinhavado um acordo para uma
espécie de armistício entre as Forças Armadas e o governo. Ele passa, como
sempre, pela expectativa de ganhos pecuniários por parte dos militares, mas não
só.
A contemporização que o ministro da Defesa advoga, em que tem obtido surpreendente sucesso, inclui variáveis além da capacidade de composição interna com o próprio governo, o que confere à empreitada certo grau de imprevisibilidade.
A forma como a aproximação com o governo
vem sendo construída parece ter como pano de fundo, real ou narrativo, a
aproximação do 7 de Setembro, o primeiro sem Jair Bolsonaro tomando a data de
assalto para tentar cooptar as Forças Armadas para seu propósito golpista.
A data nacional carrega, portanto, enorme
simbolismo depois das cenas vistas no 8 de Janeiro. A pressa de Múcio em lançar
as bases do acordo de recomposição entre Lula e os militares se explica pela
necessidade de, no feriado, levar ao país uma mensagem de apreço dos militares
à democracia.
Pesquisas mostram quanto a imagem das
Forças Armadas foi tisnada pela contaminação pelo bolsonarismo. Por mais que
oficiais, sobretudo do Exército, entoem o discurso segundo o qual quem
eventualmente se corrompeu ou esqueceu a separação entre as funções militares e
a política foram pessoas, e não a instituição, fica muito difícil separar umas
da outra em casos como as reiteradas visitas de um hacker réu por crimes
variados ao Ministério da Defesa para ensinar militares da ativa a questionar a
lisura do processo eleitoral.
Outro caso que, reservadamente, os próprios
generais admitem ter sido mais danoso para a corporação foi a atuação de
Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde e o fato de, ao sair do posto,
ele ter se recusado a passar à reserva.
Também não será simples exorcizar a maneira
como a cúpula do Exército lidou com os acampamentos em frente a seus
quartéis-generais, sobretudo em Brasília, ovo em que foi gestada a serpente dos
ataques terroristas de 8 de janeiro. Isso antes, durante e depois dos ataques.
É aqui que entram as variáveis de difícil
manejo pelo conhecido jeito de algodão entre cristais do experiente político
José Múcio. Os inquéritos da Polícia Federal avançam e deverão responsabilizar
militares por crimes de diferentes naturezas, de desvio de patrimônio da União,
no caso das joias, a conspiração contra o Estado Democrático de Direito.
No mesmo sentido, também não está garantido
que a CPMI blindará de toda e qualquer responsabilização militares da ativa que
estavam em funções relevantes em 8 de janeiro, a começar do próprio general
Gonçalves Dias, que depôs ontem sem receber refresco nem da base aliada.
É por causa desses percalços e da
necessidade de que haja alguma responsabilização, até para que os excessos não
se repitam dentro da caserna, que Lula parece disposto a ceder naquilo que lhe
cabe: amenizar o texto da Proposta de Emenda à Constituição que tentará colocar
o gênio fardado de volta na lâmpada e, se possível, conceder aos militares
algumas das reivindicações de reajustes e outros benefícios.
Nem todo mundo no governo se agrada com
essa tendência a acomodar as melancias na carroceria do caminhão, como deixou
evidente o ministro da Justiça, Flávio Dino, testemunha de momentos dramáticos
em que os militares se recusaram a autorizar a entrada da polícia para prender
manifestantes depois de os prédios dos três Poderes já terem sido destruídos.
Mas a própria fala de Dino, sobre a
necessidade de conciliar, deixa patente que a disposição é fazer do 7 de
Setembro uma data de conciliação, para isolar o golpismo bolsonarista quanto
for possível. Isso é uma tarefa de Estado necessária.
Sim.
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