Folha de S. Paulo
Grupos de pressão pressionam senadores com
informações incompletas, para obter privilégios que trarão prejuízo a toda a
sociedade
Anda difícil o debate sobre a Reforma
Tributária no Senado.
Grupos de interesse demandam regras especiais para pagar menos impostos, por
vezes se valendo de argumentos que contam apenas parte da história.
O receio é que essas pressões sejam
bem-sucedidas, o que vai aumentar a carga tributária a ser cobrada dos demais
bens e serviços. Privilégios para alguns implicam prejuízos para o restante da
sociedade.
Setores
da agricultura pedem benefícios ainda maiores do que os obtidos na
tramitação na Câmara. O mesmo ocorre com a
aviação. A eles se somam advogados
e profissionais liberais.
Por que mesmo essas empresas devem ter
tratamento privilegiado, obrigando os demais a pagar uma carga tributária
maior?
Cabe destacar outros pontos, pouco
enfatizados pelos grupos que demandam tratamento privilegiado.
Primeiro, a reforma deixa de fora o regime do Simples, que contempla pequenas empresas.
Isso significa que a demanda por menor
carga tributária decorre de grupos com elevado faturamento, acima de R$ 4,8
milhões de reais por ano.
Em segundo, muitos parecem não entender os
detalhes da reforma. Ela beneficia muitas empresas que vendem para outras
empresas.
No regime atual, o gasto com diversos
fornecedores não pode ser deduzido da base de cálculo da tributação das
empresas que adquirem esses itens ou serviços. Com a reforma, todos as despesas
com fornecedores passarão a poder ser deduzidas da base a ser tributada.
Logo, para as empresas à frente na cadeia
produtiva, comprar desses fornecedores ficará mais barato, podendo o vendedor
cobrar um preço mais alto.
Os grupos de pressão frequentemente ignoram
o chamado "resíduo tributário". Eles apresentam o quanto diretamente
pagam de tributos e o quanto vão pagar após a reforma.
Mas essa comparação não conta a história
inteira. Os bens e serviços comprados pelas empresas estão inflados por
tributos que incidem sobre os bens e serviços que compram. A comparação teria
que considerar todos os tributos pagos pelos fornecedores, e dos fornecedores
dos fornecedores, e assim por diante.
A atual carga tributária que incide sobre
as empresas é bem maior do que os grupos de pressão argumentam.
Com frequência, a defesa por regimes
tributários privilegiados afirma que eles trariam benefícios sociais. Esse é o
caso da cesta básica. Existe a dificuldade óbvia de definir o que seria
uma "cesta
básica", e os exemplos anedóticos das distorções têm sido temas da
imprensa.
Peixe entra na cesta básica, e salmão é
peixe. O benefício acaba por afetar igualmente ovas de peixe. Existe um
problema adicional. A desoneração da cesta básica beneficia todos que os
adquirem, sejam pobres ou ricos.
Se a preocupação é proteger os mais pobres,
bem mais eficaz é tributar a cesta básica e transferir os recursos arrecadados
para os mais pobres, por exemplo, ampliando o Bolsa Família. Segundo estimativa
do Ministério
da Fazenda em 2017, essa alternativa traz uma redução na desigualdade
de renda 12 vezes maior que a criada pela desoneração da cesta básica.
Esse é um fato bem documentado nas
pesquisas com microdados em diversas áreas. A política social por meio do gasto
é bem mais eficaz para cuidar dos grupos carentes do que distorções na
tributação sobre consumo.
Os mais pobres frequentam escolas públicas
e utilizam o SUS.
Os mais ricos podem descontar seus gastos com educação e saúde do Imposto de
Renda. Mesmo assim, hospitais e escolas privadas demandam ficar fora da
tributação sobre consumo.
Muitos dos serviços consumidos pela classe
média estão no regime do Simples, que não será alterado.
A reforma cria uma estrutura simples de
tributação após a transição. O
Imposto de Valor Agregado (IVA) tem por objetivo cobrar a mesma
alíquota sobre qualquer decisão de consumo.
O IVA é um tributo cobrado ao longo da
cadeia produtiva. No jargão adotado em outros países, as firmas recolhem
progressivamente o imposto que é devido pelos consumidores.
A cada etapa, cobra-se a mesma alíquota
sobre o valor adicionado, essencialmente folha de pagamentos e lucros. Pode-se
demonstrar que isso é equivalente a cobrar a mesma alíquota sobre a decisão
final de consumo das famílias.
Uma das vantagens dessa forma de cobrança é
desestimular a sonegação. Em cada etapa, as firmas calculam a diferença entre
todas as notas fiscais do que vendaram e deduzem todas as notas fiscais do que
compraram. A alíquota incide então sobre a diferença, que é precisamente o
valor que foi adicionado naquela etapa.
O IVA tem outros benefícios. Primeiro, se
adequadamente implementado é bastante simples, ao contrário das complexas
regras de tributação sobre consumo que temos atualmente.
Em segundo, ele é justo. Todos os setores
da economia são igualmente tributados ao vender bens e serviços para o consumo
das famílias.
Em terceiro, trata-se da regra de
tributação sobre consumo que menos prejudica a produtividade e o bem-estar da
maioria. Esse ponto foi discutido no artigo "Reforma Tributária resolve
problemas crônicos de ineficiência ", publicado
nesta Folha em 7 de julho deste ano.
Semana passada, a Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado aprovou a isenção de IPI para caminhões destinados à
agricultura. O objetivo é estimular o setor. Só esquecem que a conta será
repassada para as demais atividades produtivas, prejudicando-as.
A regra tributária sobre o consumo deveria
ser a mesma para todos os setores. Cabe à política social, por meio dos seus
gastos, cuidar das famílias mais vulneráveis.
O Senado poderia ser menos suscetível à
pressão de grupos organizados de empresários e de profissionais liberais.
Alguns não sabem bem do que estão falando. Outros sabem e estão apenas tentando
obter um privilégio a mais.
*Economista, ex-presidente do Insper e
ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005,
governo Lula)
Perfeito
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