Folha de S. Paulo
A expansão anômala do
papel do STF na arbitragem política terá vastas consequências
Quando se especulava sobre a prisão de
Lula em 2017, argumentei que provavelmente ele seria preso e eventualmente
anistiado. A conjetura mostrou-se acertada. A anulação dos processos e provas é
o equivalente funcional a uma "anistia judiciária". Numa perspectiva
positiva e não normativa da ciência política não importa se a decisão é legal
ou legítima, mas por que razão se espera que determinados fenômenos ocorram e
quais suas consequências.
Historicamente, no país, há um padrão de resolução de graves conflitos políticos por meio de anistia e conciliação. Foram 52 anistias desde 1890. O objetivo maior foi a "pacificação política", como mostrou Ann Schneider. Mas a analogia acaba aqui. Há dois aspectos que merecem destaque. Os protagonistas dos grandes episódios de anistia, indulto e graça foram os presidentes —Floriano (Revolta da Armada), Vargas (Revolução Constitucionalista), Kubitschek (Aragarças), Figueiredo (luta armada)—, não o Poder Judiciário.
Por outro lado, as anistias diziam
respeito a crimes políticos e militares, não a episódios de corrupção cuja
punição adquiriu caráter quase consensual na opinião pública (apoio médio de
94% em 2016-17, no Ipsos).
Consequentemente, sua legitimidade tem sido contestada de forma contundente.
A "anistia judiciária"
representa uma expansão anômala do papel do STF como árbitro político. E terá
vastas consequências não antecipadas. Engendra uma hiperpolitização do tribunal
e uma polarização sem paralelo (que em outros países se manifesta em questões
como o aborto). As evidências são eloquentes:
44% dos eleitores confiam no STF, e idênticos 44% não confiam. No grupo de
eleitores de Lula, 81% confiam na corte; no de Bolsonaro, 91% não o fazem.
Diferentemente da anistia política, os
juízes não podem argumentar que o objetivo é a" pacificação
política", por isso recorrem a malabarismos.
A "anistia judiciária" tem
também consequências sistêmicas: a extinção dos processos da Lava Jato e a
anulação das provas terão efeitos sobre mais de uma centena de processos. O
caso do atual presidente fornece um escudo coletivo, o que explica uma espécie
de pacto de silêncio, em que pese a magnitude do que está em jogo.
A conjuntura em que isso ocorre
intensifica o conflito. O julgamento do mensalão e a Lava Jato foram exemplos
de ações de controle contra o abuso de governantes que estavam no poder (o PT),
não fora dele, como agora. Isso lhe conferia enorme legitimidade. A reação
atual assume caráter de vendetta contra perdedores, partidarizando o conflito e
minando a legitimidade institucional do tribunal. Nesse movimento, o controle
do Judiciário torna-se o principal objetivo —o troféu— da disputa política.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor
visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA
Excelente!
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