Valor Econômico
Barroso temperou o discurso com um apelo à
união e ao “poder da afetividade”
O ministro Luís Roberto Barroso começou a
cumprir com o discurso de posse uma das promessas de sua gestão, melhorar a
comunicação para que o Supremo Tribunal Federal seja melhor compreendido pela
sociedade. Não poderia ter sido mais claro em relação à pacificação nacional
como eixo.
Barroso não se rende ao juridiquês nos votos, não o faria no discurso de posse. O aceno àqueles que apontam excessos no Supremo veio em frases diretas: “É imperativo que o tribunal aja com autocontenção”, “a democracia constitucional é a composição de valores diversos, duas faces da mesma moeda”. “De um lado, soberania popular, eleições livres e governo da maioria. De outro, poder limitado, Estado de direito e respeito aos direitos fundamentais. Um equilíbrio delicado e fundamental.”
O ministro Gilmar Mendes, que o saudou na
condição de decano, citou as ameaças de que os ministros foram vítimas, as
tentativas de interferência nos resultados eleitorais, os atos de terrorismo, a
desinformação até chegar, nominalmente, no vandalismo do 8 de janeiro.
Barroso ecoou as ameaças autoritárias, mas
colocou o Brasil como parte de ataques à democracia constitucional em todo o
mundo. “A democracia venceu e precisamos trabalhar pela pacificação do país”.
Só faltou desenhar sobre os antagonismos que disse terem sido criados
artificialmente para dividir o país: “Um país não é feito de nós e eles. Somos
um só povo, no pluralismo de ideias, como é próprio de uma sociedade livre e
aberta”.
Três dias depois de o Tribunal Superior
Eleitoral revogar, por iniciativa do ministro Alexandre de Moraes, a presença
das Forças Armadas da comissão de fiscalização, avançou: “Justiça seja feita,
na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo”. A inclusão dos
militares na comissão foi iniciativa de Barroso à frente do Tribunal Superior
Eleitoral.
Barroso reconheceu os “culpados de sempre” e
nominou-os: “extremismo, populismo e autoritarismo”, antes de acolher as
divergências sobre a velocidade com a qual o tribunal deve virar a página do
golpismo foram acolhidas - “Não somos um tribunal de consensos plenos. Nenhum
tribunal é. A vida comporta diferentes pontos de observação e eles se refletem
aqui”.
Numa tentativa de acolher um ponto em comum
sobre as ameaças à democracia, disse que a página, de fato, só será virada
quando se vencerem os desafios “da inclusão social, da luta contra as
desigualdades injustas e do aprimoramento da representação política”.
Agradeceu a presença do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, de máscara, ao seu lado, na véspera de uma “cirurgia
delicada”, e não se deteve nos embates com o Poder Legislativo que, na véspera,
aprovou uma lei acolhendo o marco temporal das terras indígenas que o Supremo
já considerou inconstitucional. Tanto o presidente da Câmara, Arthur Lira,
quanto o do Senado, Rodrigo Pacheco, estavam à mesa. E, na plateia, antes da
posse, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), não se furtava a
defender a decisão da Casa - “Fui governador e sei a dificuldade que é tirar as
pessoas de terras reclamadas pelos indígenas”.
Poucas derrotas do espírito são mais tristes
do que alguém se achar melhor do que os outros”
A resposta de Barroso à decisão do Congresso
veio imbuída de uma defesa genérica dos direitos das mulheres, da comunidade
LGBTQIA+, da população negra e dos povos indígenas - “que passaram a ter sua
dignidade reconhecida, bem como o direito a preservarem sua cultura e, ao
menos, uma parte de suas terras originárias”.
Não arredou pé do “empurrão” na história nem
em situar a judicialização da vida política do país como decorrência de uma
Constituição que tudo contempla - “Não se trata de ativismo, mas de desenho
institucional”.
Rejeitou a alcunha de “progressistas” para as
pautas - “Não são. Estas são causas da humanidade, da dignidade humana, do
respeito e consideração por todas as pessoas”. E arrematou: “Poucas derrotas do
espírito são mais tristes do que alguém se achar melhor do que os outros”.
Pendurou a defesa das mulheres nas três
citações feitas à ministra Rosa Weber, que inscreveu no rol das “grandes
figuras da história” do tribunal e a que poderia suceder mas não substituir.
Mas foi além. Tinha diante de si os três candidatos mais fortes à vaga da
ministra a quem sucedeu na presidência - Flávio Dino (ministro da Justiça),
Jorge Messias (ministro da Advocacia-Geral da União) e Bruno Dantas (presidente
do Tribunal de Contas da União), sentados lado a lado depois de posarem para
fotos juntos e em animada conversa - ao decantar seu compromisso em aumentar a
participação de mulheres nos tribunais, com critérios de promoção que levem em
conta a paridade de gênero.
A cultura jurídica de Barroso, que só encontra
paralelo, no Supremo, com aquela do decano, é frequentemente associada à
vaidade intelectual do ministro. Como não pacificará o tribunal regando-a,
temperou o discurso com um apelo à união e ao “poder da afetividade”. O tom,
por vezes, beirou o do professor em lições de vida para seus alunos. Não teve
receio de passar por ingênuo ao dizer que o que transforma o mundo é “viver sem
malícia, sem esperteza e sem passar os outros para trás”.
Viúvo desde janeiro, pediu que Maria Bethânia
voltasse ao plenário, depois de a cantora dar início aos trabalhos com o hino
nacional, para cantar “Todo o sentimento”, de Chico Buarque. Bethânia não havia
chegado ainda ao “te encontro, com certeza, talvez num tempo da delicadeza”, o
ministro já estava banhado em lágrimas, assim como seus filhos, Luna e
Bernardo. E emocionara uma boa parte do auditório, inclusive a discreta
desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Carmen Arruda, sua
namorada, sentada ao lado de outros convidados.
Uma bela homenagem.
ResponderExcluir