sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Maria Cristina Fernandes - A pacificação emotiva que pauta o novo presidente do Supremo

Valor Econômico

Barroso temperou o discurso com um apelo à união e ao “poder da afetividade”

O ministro Luís Roberto Barroso começou a cumprir com o discurso de posse uma das promessas de sua gestão, melhorar a comunicação para que o Supremo Tribunal Federal seja melhor compreendido pela sociedade. Não poderia ter sido mais claro em relação à pacificação nacional como eixo.

Barroso não se rende ao juridiquês nos votos, não o faria no discurso de posse. O aceno àqueles que apontam excessos no Supremo veio em frases diretas: “É imperativo que o tribunal aja com autocontenção”, “a democracia constitucional é a composição de valores diversos, duas faces da mesma moeda”. “De um lado, soberania popular, eleições livres e governo da maioria. De outro, poder limitado, Estado de direito e respeito aos direitos fundamentais. Um equilíbrio delicado e fundamental.”

O ministro Gilmar Mendes, que o saudou na condição de decano, citou as ameaças de que os ministros foram vítimas, as tentativas de interferência nos resultados eleitorais, os atos de terrorismo, a desinformação até chegar, nominalmente, no vandalismo do 8 de janeiro.

Barroso ecoou as ameaças autoritárias, mas colocou o Brasil como parte de ataques à democracia constitucional em todo o mundo. “A democracia venceu e precisamos trabalhar pela pacificação do país”. Só faltou desenhar sobre os antagonismos que disse terem sido criados artificialmente para dividir o país: “Um país não é feito de nós e eles. Somos um só povo, no pluralismo de ideias, como é próprio de uma sociedade livre e aberta”.

Três dias depois de o Tribunal Superior Eleitoral revogar, por iniciativa do ministro Alexandre de Moraes, a presença das Forças Armadas da comissão de fiscalização, avançou: “Justiça seja feita, na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo”. A inclusão dos militares na comissão foi iniciativa de Barroso à frente do Tribunal Superior Eleitoral.

Barroso reconheceu os “culpados de sempre” e nominou-os: “extremismo, populismo e autoritarismo”, antes de acolher as divergências sobre a velocidade com a qual o tribunal deve virar a página do golpismo foram acolhidas - “Não somos um tribunal de consensos plenos. Nenhum tribunal é. A vida comporta diferentes pontos de observação e eles se refletem aqui”.

Numa tentativa de acolher um ponto em comum sobre as ameaças à democracia, disse que a página, de fato, só será virada quando se vencerem os desafios “da inclusão social, da luta contra as desigualdades injustas e do aprimoramento da representação política”.

Agradeceu a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de máscara, ao seu lado, na véspera de uma “cirurgia delicada”, e não se deteve nos embates com o Poder Legislativo que, na véspera, aprovou uma lei acolhendo o marco temporal das terras indígenas que o Supremo já considerou inconstitucional. Tanto o presidente da Câmara, Arthur Lira, quanto o do Senado, Rodrigo Pacheco, estavam à mesa. E, na plateia, antes da posse, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), não se furtava a defender a decisão da Casa - “Fui governador e sei a dificuldade que é tirar as pessoas de terras reclamadas pelos indígenas”.

Poucas derrotas do espírito são mais tristes do que alguém se achar melhor do que os outros”

A resposta de Barroso à decisão do Congresso veio imbuída de uma defesa genérica dos direitos das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, da população negra e dos povos indígenas - “que passaram a ter sua dignidade reconhecida, bem como o direito a preservarem sua cultura e, ao menos, uma parte de suas terras originárias”.

Não arredou pé do “empurrão” na história nem em situar a judicialização da vida política do país como decorrência de uma Constituição que tudo contempla - “Não se trata de ativismo, mas de desenho institucional”.

Rejeitou a alcunha de “progressistas” para as pautas - “Não são. Estas são causas da humanidade, da dignidade humana, do respeito e consideração por todas as pessoas”. E arrematou: “Poucas derrotas do espírito são mais tristes do que alguém se achar melhor do que os outros”.

Pendurou a defesa das mulheres nas três citações feitas à ministra Rosa Weber, que inscreveu no rol das “grandes figuras da história” do tribunal e a que poderia suceder mas não substituir. Mas foi além. Tinha diante de si os três candidatos mais fortes à vaga da ministra a quem sucedeu na presidência - Flávio Dino (ministro da Justiça), Jorge Messias (ministro da Advocacia-Geral da União) e Bruno Dantas (presidente do Tribunal de Contas da União), sentados lado a lado depois de posarem para fotos juntos e em animada conversa - ao decantar seu compromisso em aumentar a participação de mulheres nos tribunais, com critérios de promoção que levem em conta a paridade de gênero.

A cultura jurídica de Barroso, que só encontra paralelo, no Supremo, com aquela do decano, é frequentemente associada à vaidade intelectual do ministro. Como não pacificará o tribunal regando-a, temperou o discurso com um apelo à união e ao “poder da afetividade”. O tom, por vezes, beirou o do professor em lições de vida para seus alunos. Não teve receio de passar por ingênuo ao dizer que o que transforma o mundo é “viver sem malícia, sem esperteza e sem passar os outros para trás”.

Viúvo desde janeiro, pediu que Maria Bethânia voltasse ao plenário, depois de a cantora dar início aos trabalhos com o hino nacional, para cantar “Todo o sentimento”, de Chico Buarque. Bethânia não havia chegado ainda ao “te encontro, com certeza, talvez num tempo da delicadeza”, o ministro já estava banhado em lágrimas, assim como seus filhos, Luna e Bernardo. E emocionara uma boa parte do auditório, inclusive a discreta desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Carmen Arruda, sua namorada, sentada ao lado de outros convidados.

 

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