Correio Braziliense
Para o novo presidente do Supremo, as
instituições, a sociedade civil, a imprensa, o Congresso Nacional e, “na hora
decisiva”, as Forças Armadas barraram o golpismo
Aprovado a toque de caixa pelo Senado, o
marco temporal das terras indígenas foi um sinal de que vem aí uma grande queda
de braço entre os líderes do Congresso, que são conservadores ou mesmo
reacionários, e o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís
Roberto Barroso, que tomou posse nesta quinta-feira, em cerimônia na qual era visível
o constrangimento com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O ministro Edson Fachin é o novo vice. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está se preparando para uma cirurgia,
compareceu à posse de máscara.
Barroso foi enfático no discurso quanto aos direitos das minorias. Defendeu a paridade de gênero nos tribunais e maior diversidade racial na composição das Cortes. O ministro sempre pregou que os direitos dos indígenas e da comunidade LGBTQIA são uma questão de humanidade, não de progressismo.
Barroso destacou que o momento é de pacificação, depois de derrotado o golpismo. “O país não é feito de nós e eles. Somos um só povo”, afirmou. O novo presidente do Supremo não vê incompatibilidade entre o agronegócio e a preservação ambiental, que é um dos focos de tensão entre a Corte e o Congresso. Mantém seu entendimento de que o combate à corrupção, com o devido processo legal, continua sendo uma prioridade. Mas compreende que as instituições republicanas devem fazer um pacto de solidariedade para evitar o naufrágio da democracia.
A questão democrática permeou todo o seu
discurso. Para Barroso, as instituições, a sociedade civil, a imprensa e o
Congresso Nacional e, “na hora decisiva”, as Forças Armadas barraram o
golpismo. Era visível o desconforto de Pacheco e Lira com o discurso, que
aplaudiram ao final, sem muito entusiasmo. Ambos lideram agendas conservadoras
que estão em choque com os rumos adotados pelo Supremo na gestão da ministra
Rosa Weber e que Barroso pretende aprofundar.
O novo presidente do Supremo acenou com uma
bandeira branca: “Nada obstante, é imperativo que o tribunal aja com
autocontenção e em diálogo com os outros Poderes e a sociedade, como sempre
procuramos fazer, e pretendo intensificar. Numa democracia, não há Poderes
hegemônicos. Garantindo a independência de cada um, conviveremos em harmonia,
parceiros institucionais pelo bem do Brasil”, disse.
Decano do Supremo, o ministro Gilmar Mendes
fez a saudação ao novo presidente, na qual destacou a atuação de Barroso no
combate à desinformação e em defesa dos direitos fundamentais. Ambos já
estiveram em polos antagônicos no Supremo, que se divide em duas turmas. Uma,
liderada por Gilmar, era chamada de Jardim do Éden pelos procuradores da Lava-Jato;
a outra, na qual se destacava Barroso, era tratada pelos advogados dos réus
como o “Inferno de Dante”.
Três candidatos
Com 65 anos, Barroso passou a fazer parte do
Supremo em 2013, indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff. Fluminense de
Vassouras, que já foi a cidade dos barões do café no século XIX, o novo
presidente do Supremo é doutor em direito público pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj) e professor titular de direito constitucional na mesma
instituição. Seu mestrado foi feito na Universidade de Yale (EUA); o doutorado,
na Uerj; e o pós-doutorado, na Universidade de Harvard (EUA). Foi professor
visitante nas Universidades de Poitiers (França), de Breslávia (Polônia) e de
Brasília (UnB). Um acervo de 4.889 processos aguarda o novo presidente do
Supremo, em sua maioria recursos.
Como se sabe, o Supremo deve fazer a guarda
da Constituição de 1988, mesmo contra maiorias circunstanciais no Congresso.
Não é só o povo que tem dificuldade para entender isso, existe uma forte
corrente política iliberal no país hoje, como, de resto, em todo o mundo, que
defende a chamada “ditadura da maioria”, ou seja, não respeita os direitos
fundamentais da minoria. É aí que o choque com Barroso será inevitável.
O Congresso tem dois lobbies fortíssimos, o
do agronegócio e o dos evangélicos, com bancadas mais poderosas do que qualquer
partido isolado, inclusive o PT. Os próximos anos não serão fáceis para
Barroso, porque a sucessão das duas Casas, em 2025, pode acirrar essa
contradição. No Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) é representante da fronteira
agrícola em expansão na Amazônia; na Câmara, Marcos Pereira (SP), presidente do
Republicanos, é um pastor da Igreja Universal, de Edir Macedo. Ambos são os
mais cotados para a sucessão de Pacheco e Lira, respectivamente.
Nos bastidores da sessão de posse, três
candidatos à vaga da ministra Rosa Weber, que se aposenta, distribuíam tapinhas
nas costas: o ministro da Justiça, Flávio Dino; o presidente do Tribunal de
Contas da União (TCU), Bruno Dantas; e o advogado-geral da União, Jorge
Messias. Caso Lula não tire um coelho da cartola, a hipótese de uma mulher ser
indicada para a vaga de Rosa Weber já está descartada, embora Barroso tenha
defendido a necessidade de mais mulheres e negros na Corte.
Sei.
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