O Globo
O acordo do PT com o Partido Comunista Chinês
é um passo perigoso do partido do governo na direção do questionamento da
democracia como valor universal para o Ocidente.
O presidente Lula recentemente disse que “o
conceito de democracia é relativo”, citando como exemplo a ditadura da
Venezuela que, segundo ele, tem mais eleições que o Brasil. O ex-ministro da
Fazenda de Bolsonaro, Paulo Guedes, por sua vez, disse dias atrás em uma aula
num curso online de economia que a ditadura militar do Brasil nos anos 1964 a
1985 “tinha aspectos de um governo conservador”, e alegou que o Congresso
funcionava normalmente, dando respaldo às decisões governamentais.
Lula “esqueceu” de dizer que os poderes na Venezuela, assim como as eleições, são apenas aparentes, como o foram na ditadura brasileira que ele tanto critica, e Paulo Guedes também “esqueceu” que o Congresso foi fechado várias vezes no regime ditatorial, partidos políticos foram extintos, e políticos e cidadãos cassados de seus direitos. Sem contar as torturas ocorridas nos dois países. Tudo isso para dizer que o acordo com o Partido Comunista Chinês firmado pelo PT é um passo perigoso do partido do governo na direção do questionamento da democracia como valor universal para o Ocidente.
No momento em que o Partido Comunista Chinês
procura oficializar o conceito de “democracia que funciona” dentro do
retrocesso do neomaoismo implantado por Xi Jinping, que coloca a segurança
nacional acima do progresso econômico, a tese de que o chamado capitalismo de
Estado provocaria consequências benéficas de abertura para a sociedade civil
está indo ladeira abaixo. O “capitalismo de Estado” de Deng Xiaoping, que levou
a China a um crescimento econômico extraordinário, está sendo freado pela visão
maoista que coloca o Partido Comunista no centro do Estado: “Dediquem tudo, até
mesmo suas preciosas vidas, ao partido e ao povo”, disse Xi Jinping na
celebração do centenário do PCC.
O “modelo chinês” não seria simplesmente um
“capitalismo de Estado”, mas uma organização social que lida com valores específicos,
que não leva em conta “valores universais” como liberdade, direitos humanos,
democracia, mas com o que chamam de “valores fundamentais”, como estabilidade,
harmonia e desenvolvimento. A meritocracia, que seleciona os líderes do PCC
desde as administrações provinciais, seria o caminho correto para colocar o
Estado a serviço do cidadão.
Por isso, o controle das grandes empresas
tecnológicas, como exemplo o grupo Ali Baba, e outras big techs, tem sido
perseguido pelo governo central, para deixar claro que o controle é do Estado,
através do PCC, e que a disfunção do capitalismo na distribuição de rendas não
será tolerada. O sumiço de funcionários do Estado importantes, inclusive
militares, reforça esse controle do partido. A China tem apresentado em diversos
fóruns internacionais, através de acadêmicos chineses e estrangeiros, uma visão
de democracia bastante crítica, muitas vezes correta, e ideias bastante
criticáveis sobre o que seria a democracia ao estilo chinês.
Zhang Weiwei, da Universidade Fudan, diz que
a democracia destrói o Ocidente por institucionalizar o bloqueio das atividades
congressuais, como tem ocorrido nos Estados Unidos, e permitir que líderes de
segunda classe, como George W. Bush, e mais recentemente Donald Trump, cheguem
à Presidência da República. Já Yu Keping, da Universidade de Beijing, acha que
a democracia ocidental dificulta decisões simples e dá margem a que políticos
populistas, mas de boa lábia enganem o povo.
O Confucionismo, que define que o governo
deve servir ao povo e ter como prioridade a moralidade, e o legalismo, que
prioriza a punição e o forte controle do país, está em alta. Certa vez, em
Davos, uma debate entre empresários americanos com negócios na China discutiu o
perigo de uma virada de mesa radical naquele país. A opinião geral foi de que
já haviam ganhado tanto dinheiro que uma mudança desse tipo estava precificada.
Parece que o momento está chegando, e os investimentos estão se retraindo.
Pois é.
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