O Globo
Não há diferença entre os réus de direita
ou de esquerda. Todos tentam passar pelas brechas da legislação que induzem à
impunidade.
O futuro presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Luís Roberto Barroso, tem uma definição para o sistema penal brasileiro:
foi feito para não funcionar. Ele se refere aos muitos recursos, agravos e
interpelações possíveis, que levam na maioria das vezes à prescrição das penas
ou à anulação das provas e do próprio julgamento. Como aconteceu agora com a
decisão monocrática do ministro Dias Toffoli de anular todos os processos da
Operação Lava-Jato, invalidando as provas por questões técnicas — pelo menos
uma delas já desmentida pelos fatos.
O interessante é que não há diferença entre os réus de direita ou de esquerda. Todos tentam passar pelas brechas da legislação que induzem à impunidade. A postura do advogado de defesa do primeiro réu bolsonarista do julgamento histórico dos acusados pela tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro foi a mesma do então ex-ministro da Justiça do governo Lula, Márcio Thomaz Bastos, para tentar livrar os petistas acusados no mensalão.
Ao pedir o desmembramento do processo,
Bastos tentava descaracterizar a conexão entre os diversos crimes, esvaziando a
tese da Procuradoria-Geral da República de que houve a formação de uma
quadrilha para executar crimes contra o Estado brasileiro. À medida que cada um
dos 38 réus fosse julgado isoladamente, em instâncias inferiores, ficaria mais
fácil manobrar os diversos recursos processuais. Na ocasião, o ministro Gilmar
Mendes foi direto ao ponto, lembrando que, se os processos fossem encaminhados
isoladamente para a primeira instância judicial, quase certamente não teriam
chegado a julgamento, e os crimes prescreveriam.
O desembargador aposentado Sebastião Coelho
da Silva, defensor do primeiro réu julgado ontem, Aécio Lúcio Costa Pereira,
tentou levar para a primeira instância o julgamento de seu cliente, alegando
que o STF não era o tribunal adequado para julgar pessoas sem foro especial. A
mesma estratégia do mensalão e também a mesma tese, que acabou vencedora depois
de cinco anos, da defesa de Lula, que batalhou para que o STF entendesse que o
tribunal de Curitiba, onde o então juiz Sergio Moro atuava, não era o foro
correto.
Com a surpreendente decisão do ministro
Edson Fachin de acatar essa tese, para tentar evitar o julgamento na Segunda
Turma da parcialidade de Moro, todos os processos contra Lula acabaram enviados
para instâncias inferiores, onde morreram de prescrição ou anulação de provas.
Como já previa o ministro Gilmar Mendes durante o mensalão.
O julgamento histórico dos acusados pela
tentativa de golpe de 8 de janeiro, que começou ontem no Supremo, trouxe também
lembranças de atuações polêmicas dos ministros nesse processo e no petrolão. O inquérito
que teve início em março de 2019 destinava-se a investigar ataques aos
ministros e ao próprio Supremo por meio das redes sociais. Para presidi-lo, sem
que tenha havido sorteio, foi indicado o ministro Alexandre de Moraes.
O começo polêmico, sob a interpretação
extensiva do texto do regimento interno do Supremo, só não foi mais criticado
porque a ação dos bolsonaristas nas redes era o prenúncio da ação dos
golpistas. A cada descoberta, a cada ação ilegal, a cada movimento de Bolsonaro
de contestação da ordem democrática, ganhavam força as decisões de Moraes,
mesmo quando ultrapassavam os limites legais na opinião de muitos.
A tentativa de golpe de 8 de janeiro
avalizou a ação do Supremo e o transformou, tendo Moraes como figura simbólica
do justiceiro da lei, na instituição que mais protegeu a democracia nestes
últimos tempos.
A decisão de chamar para si todos os
processos e inquéritos que de alguma maneira se relacionam à origem dos ataques
aos ministros do STF, criticada por muitos, assemelha-se ao que Moro fez quando
era o juiz da Operação Lava-Jato. Significa que, no Brasil, se a interpretação
das leis não for alargada pragmaticamente, ninguém será punido. Pois a
legislação foi feita para proteger os poderosos.
Pois é.
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