quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Míriam Leitão - Fazenda tenta desarmar a bomba

O Globo

Economistas que conviveram com absurdos no governo anterior, hoje acham que a solução atual para os precatórios é contabilidade criativa

O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, diz que o governo não está buscando qualquer artifício, precedente ou espaço fiscal quando peticiona junto ao STF para que o teto dos precatórios seja considerado inconstitucional. “É só resolver um problema que é grave, essa bola de neve. Resolver isso é bom para todo mundo. O que nós temos hoje é que a gente está tirando quase um ponto percentual do PIB dos indicadores de endividamento”.

O secretário acha normal o debate em torno das formas de solução do problema. “Tem discussões que são legítimas e a gente está aberto para fazer esse debate técnico”. Mas ele quer deixar claro sobre o que está se falando.

—Se você olhar a dimensão do problema. É gigantesco. A gente não está pagando em dia nossas obrigações como país. A gente fala que quer ser um bom pagador, mas não paga em dia o precatório. Como podemos gerar credibilidade de que vamos pagar em dia os restos a pagar? Que vamos pagar em dia a própria dívida pública? Começa a ser criada uma suspeição sobre o país. Não faz sentido não pagar as nossas obrigações.

O estoque dos precatórios expedidos e não pagos é de R$ 112 bilhões. Vencidos até agora são R$ 65 bilhões. No ano que vem, o valor vai a R$ 95 bilhões, de principal e juros. Essa foi a bola de neve deixada pelo governo Bolsonaro quando aprovou uma PEC estabelecendo que só pagaria parte das dívidas judiciais transitadas em julgado, os precatórios, deixando o resto rolar para 2027. O governo passado fez isso com objetivos eleitoreiros. Queria abrir espaço fiscal para aumentar os gastos em ano de eleição. O que o atual Ministério da Fazenda está fazendo é antecipar-se ao problema que herdou, pagar a dívida, e eliminar a bola de neve.

A fórmula inventada pelo governo Bolsonaro, na gestão do ex-ministro Paulo Guedes, teve o efeito de recriar as dívidas não contabilizadas com as que vieram do período militar. Os chamados esqueletos foram retirados do armário no governo Fernando Henrique.

— A gente está voltando lá no passado que tinha esqueleto que o país fingia não ver, nem queria debater. Então só o fato de colocar luz sobre o assunto e debatê-lo é uma mudança de posicionamento – diz Ceron.

Tudo vai depender do STF, do tempo e do entendimento da Justiça. Mas o governo gostaria que o problema do precatório fosse resolvido este ano porque, em 2023, a meta de primário está com folga. No ano que vem, a meta é déficit zero e isso geraria um impacto fiscal maior porque poderia ser considerado descumprimento.

A ação vai para o ministro Luiz Fux. Se a decisão for favorável, o governo terá que pedir ao Congresso recursos extraordinários para quitar essa dívida. Todo o ruído, com críticas de alguns economistas, começou quando a solução proposta foi a de separar o principal, que seria pago com esses recursos extraordinários, e os juros seriam considerados despesas financeiras. Ceron está convencido de que foi feita a melhor proposta.

— É preciso olhar as opções disponíveis. Deixar como está e esperar explodir em 2027. Outra opção é excluir do teto e das metas o pagamento, só que esse caminho gera um precedente e provavelmente dirão ‘vocês estão abrindo um caminho para excepcionalizar investimento, o PAC’. A outra alternativa seria ir pela linha da Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece que precatórios não pagos no exercício viram dívida consolidada e isso seria tratar tudo como despesa financeira. É um precedente ruim e se eu transformo tudo em dívida financeira, só o Tesouro vai se preocupar com isso daí para diante. A última opção é propor o que estamos propondo. Considerar os juros despesas financeiras é defensável. Tem natureza diferente do principal. Olhando pragmaticamente é a melhor solução e não gera precedente, porque não há despesa dessa natureza no orçamento — diz o secretário.

Economistas que conviveram com absurdos fiscais no governo Bolsonaro estão definindo como “contabilidade criativa” essa tentativa do governo Lula de corrigir a enorme pedalada herdada da administração anterior. É preciso ter um único peso, uma única medida para se analisar algo técnico como contas públicas. A verdade é, o governo que dizia ser liberal e fiscalista foi autoritário e gastador. Mas contou com a boa vontade de vários economistas do mercado financeiro. Quem fez contabilidade criativa foi Bolsonaro.

 

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