O Globo
Economistas que conviveram com absurdos no
governo anterior, hoje acham que a solução atual para os precatórios é
contabilidade criativa
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, diz
que o governo não está buscando qualquer artifício, precedente ou espaço fiscal
quando peticiona junto ao STF para que o teto dos precatórios seja considerado
inconstitucional. “É só resolver um problema que é grave, essa bola de neve.
Resolver isso é bom para todo mundo. O que nós temos hoje é que a gente está
tirando quase um ponto percentual do PIB dos indicadores de endividamento”.
O secretário acha normal o debate em torno
das formas de solução do problema. “Tem discussões que são legítimas e a gente
está aberto para fazer esse debate técnico”. Mas ele quer deixar claro sobre o
que está se falando.
—Se você olhar a dimensão do problema. É gigantesco. A gente não está pagando em dia nossas obrigações como país. A gente fala que quer ser um bom pagador, mas não paga em dia o precatório. Como podemos gerar credibilidade de que vamos pagar em dia os restos a pagar? Que vamos pagar em dia a própria dívida pública? Começa a ser criada uma suspeição sobre o país. Não faz sentido não pagar as nossas obrigações.
O estoque dos precatórios expedidos e não
pagos é de R$ 112 bilhões. Vencidos até agora são R$ 65 bilhões. No ano que
vem, o valor vai a R$ 95 bilhões, de principal e juros. Essa foi a bola de neve
deixada pelo governo Bolsonaro quando aprovou uma PEC estabelecendo que só
pagaria parte das dívidas judiciais transitadas em julgado, os precatórios,
deixando o resto rolar para 2027. O governo passado fez isso com objetivos
eleitoreiros. Queria abrir espaço fiscal para aumentar os gastos em ano de
eleição. O que o atual Ministério da Fazenda está fazendo é antecipar-se ao
problema que herdou, pagar a dívida, e eliminar a bola de neve.
A fórmula inventada pelo governo Bolsonaro,
na gestão do ex-ministro Paulo Guedes, teve o efeito de recriar as dívidas não
contabilizadas com as que vieram do período militar. Os chamados esqueletos
foram retirados do armário no governo Fernando Henrique.
— A gente está voltando lá no passado que
tinha esqueleto que o país fingia não ver, nem queria debater. Então só o fato
de colocar luz sobre o assunto e debatê-lo é uma mudança de posicionamento –
diz Ceron.
Tudo vai depender do STF, do tempo e do
entendimento da Justiça. Mas o governo gostaria que o problema do precatório
fosse resolvido este ano porque, em 2023, a meta de primário está com folga. No
ano que vem, a meta é déficit zero e isso geraria um impacto fiscal maior
porque poderia ser considerado descumprimento.
A ação vai para o ministro Luiz Fux. Se a
decisão for favorável, o governo terá que pedir ao Congresso recursos
extraordinários para quitar essa dívida. Todo o ruído, com críticas de alguns
economistas, começou quando a solução proposta foi a de separar o principal,
que seria pago com esses recursos extraordinários, e os juros seriam considerados
despesas financeiras. Ceron está convencido de que foi feita a melhor proposta.
— É preciso olhar as opções disponíveis.
Deixar como está e esperar explodir em 2027. Outra opção é excluir do teto e
das metas o pagamento, só que esse caminho gera um precedente e provavelmente
dirão ‘vocês estão abrindo um caminho para excepcionalizar investimento, o
PAC’. A outra alternativa seria ir pela linha da Lei de Responsabilidade Fiscal
que estabelece que precatórios não pagos no exercício viram dívida consolidada
e isso seria tratar tudo como despesa financeira. É um precedente ruim e se eu
transformo tudo em dívida financeira, só o Tesouro vai se preocupar com isso
daí para diante. A última opção é propor o que estamos propondo. Considerar os
juros despesas financeiras é defensável. Tem natureza diferente do principal.
Olhando pragmaticamente é a melhor solução e não gera precedente, porque não há
despesa dessa natureza no orçamento — diz o secretário.
Economistas que conviveram com absurdos
fiscais no governo Bolsonaro estão definindo como “contabilidade criativa” essa
tentativa do governo Lula de corrigir a enorme pedalada herdada da
administração anterior. É preciso ter um único peso, uma única medida para se
analisar algo técnico como contas públicas. A verdade é, o governo que dizia
ser liberal e fiscalista foi autoritário e gastador. Mas contou com a boa
vontade de vários economistas do mercado financeiro. Quem fez contabilidade
criativa foi Bolsonaro.
Lendo a aprendendo.
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