sábado, 16 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Não cabe ao presidente revogar adesão ao TPI

O Globo

Decisão sobre integrar a Corte de Haia honra diplomacia brasileira — e já foi tomada pelo Congresso

Em mais um deslize verbal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o líder russo Vladimir Putin não seria preso se viesse ao Brasil para o encontro do G20 previsto para 2024. Putin não foi à reunião do Brics na África do Sul porque é alvo de mandados de prisão expedidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), sob a acusação de crime de guerra ao deportar crianças da Ucrânia. Diante da repercussão negativa, Lula consertou dizendo que a decisão caberia à Justiça. Mas continuou desdenhando a Corte. Na quarta-feira, o ministro da Justiça, Flávio Dino, engrossou o coro afirmando que a diplomacia brasileira reavaliará a adesão ao TPI. É uma postura constrangedora. Mais uma vez, o governo tenta moldar a política externa a suas simpatias ideológicas.

O TPI é um dos melhores exemplos da tradição de defesa dos direitos humanos, mantida historicamente pela diplomacia brasileira nos fóruns internacionais. É, além disso, incoerente que petistas se voltem contra a Corte. Quando interessou, eles reconheceram os tribunais internacionais. O próprio Lula, depois de preso na Operação Lava-Jato, recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU. No ano passado, um grupo de parlamentes (entre os quais petistas) esteve em Haia para formalizar uma denúncia ao TPI contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pela atuação na pandemia. E Lula disse que um dia Bolsonaro seria julgado num tribunal internacional. A pergunta óbvia: por que Putin não deveria?

O TPI foi uma resposta madura para lidar com violações que raramente têm como ser julgadas por tribunais nacionais, caso de genocídios, crimes contra a humanidade ou de guerra. Desde 1950, a ONU discutia a formação de um tribunal para isso. Houve diversas experiências, dos julgamentos de Nuremberg depois da Segunda Guerra aos de Bósnia e Ruanda a partir dos anos 1990. Em 1998, 120 países — entre eles o Brasil — aprovaram em Roma a criação de um tribunal permanente, o TPI, que começou a atuar em 2002.

Dois tipos de país não aderiram. Primeiro, aqueles cujos líderes têm a temer. Segundo, aqueles que não têm na multipolaridade um eixo da política externa, como Estados Unidos. China e Rússia misturam as duas características e também não aderiram. Só dois países já se retiraram, ambos em governos autoritários: Burundi e Filipinas.

A jurisdição do TPI é contestada por autocratas e ditadores, pois é com frequência a única instância em que podem pagar por seus abusos. O tribunal examina casos de indivíduos. Nada impede que julgue alguém de um país que não o reconhece, como Putin. Entre os últimos condenados estão Thomas Lubanga, líder rebelde da República Democrática do Congo, e Ahmad al-Mahdi, terrorista ligado à al-Qaeda acusado de destruir santuários no Mali.

No Brasil, o Congresso, ainda no primeiro governo Lula, gravou a adesão na Constituição. Está lá no artigo 5º: “O Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional”. Como um dos 123 países que aderiram, precisa cumprir todas as ordens do tribunal. A saída do TPI não é tarefa simples, que dependa de quem esteja à frente do Planalto. A jurista Sylvia Steiner, única brasileira a integrar a Corte (ela atuou no TPI por 13 anos) afirmou ao GLOBO que a adesão não pode ser revogada nem alterada. Felizmente, portanto, o incômodo de Lula não deve prosperar. A decisão não cabe a ele ou a Dino, mas ao Congresso — e já foi tomada.

Não faz sentido estender subsídio a placas geradoras de energia solar

O Globo

Setor hoje está maduro e continuará a crescer mesmo sem a benesse do governo

Tramita no Senado um Projeto de Lei (PL), já aprovado na Câmara, que prorroga subsídios a quem investe em energia solar. Pelos cálculos da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, caso os senadores aprovem a medida, o preço da conta de luz para o país sofrerá um acréscimo de R$ 4 bilhões por ano até 2045. Se nada for feito para barrar o PL, a população, sobretudo os mais pobres, arcará com o custo.

Não resta dúvida de que as placas fotovoltaicas são um avanço. Embora tenham um funcionamento intermitente, geram energia limpa e, junto às hidrelétricas e ao parque eólico, contribuem para o Brasil manter sua pegada de carbono reduzida. O setor elétrico brasileiro emite 12% em gases do que emite o chinês, 24% do americano e 34% do europeu.

É também verdade que os subsídios tiveram papel relevante na expansão desse segmento. Por muito tempo, os custos necessários para investir em placas solares eram altos, e havia desconfiança. Para incentivar proprietários de residências ou empresas a adotá-las, o governo ofereceu um incentivo: permitiu que a rede elétrica fosse usada gratuitamente como uma espécie de bateria. Quando há sol, a energia gerada abastece a residência ou a empresa, e o excedente é lançado na rede elétrica. Em momentos de pouco ou nenhum sol, a energia volta para ser consumida.

Ficou decidido que, para aqueles cujo projeto tivesse sido aprovado até janeiro deste ano, haveria isenção do pagamento de tarifa pelo uso da rede elétrica até 2045. O plano de expansão foi bem-sucedido. “O subsídio cumpriu seu papel quando era preciso criar a cultura da energia solar no país”, afirma a Frente Nacional dos Consumidores de Energia em carta enviada aos senadores.

Em 2012, havia apenas cinco instalações de placas fotovoltaicas no Brasil, e a potência instalada somava 449 kW. Hoje são 2,1 milhões de instalações e 23,4 GW de potência. Micro e minigeradores equivalem hoje a quase duas usinas de Itaipu, com a vantagem de não demandar a construção de linhões de transmissão. Mas o salto teve um preço. A conta dos subsídios alcançará quase R$ 150 bilhões nos próximos 22 anos.

Ao mesmo tempo que a cultura da energia solar era criada, o custo da tecnologia despencou. Só entre 2016 e 2022, o preço do sistema residencial caiu 44%, e a tendência é seguir em queda. Placas fotovoltaicas custam uma fração do que custavam no início da década passada. A desconfiança se dissipou. Mesmo com o pagamento de tarifas para usar a rede elétrica, investir em energia solar continuará sendo vantajoso.

Portanto não há razão para aprovar o PL que propõe estender, em no mínimo 12 meses, o prazo para que micro e minigeradores possam solicitar acesso gratuito à rede de distribuição até 2045. O setor manterá sua trajetória de expansão sem a benesse. Só terá de se contentar com uma margem de lucro menor.

Use com moderação

Folha de S. Paulo

Turba de 8/1 merece resposta firme, mas penas de réus subalternos são excessivas

Faz parte da sabedoria ancestral acautelar os poderosos para que utilizem de suas prerrogativas com parcimônia. Na tradição, a maldição divina ameaçava com desgraças os que cometiam excessos. Nas democracias modernas, a arquitetura dos Poderes independentes pratica a função fiscalizadora.

Esse arranjo institucional legitima todas as decisões e resolve a maioria dos conflitos, mas não todos eles. Considere-se, na organização política brasileira, a atribuição do Supremo Tribunal Federal de deter o monopólio da palavra final em matéria de aplicação da lei.

A faculdade dos 11 ministros de "errar por último", como dispõe o chiste, por vezes transforma julgamentos da corte, como o que corre sobre acusados pelo ato antidemocrático de 8 de janeiro, numa linha de fronteira com o descomedimento. Evitar cruzá-la depende sobretudo do bom senso e da diligência dos próprios juízes.

Faz disparar um alerta a esse respeito a fotografia das três primeiras condenações, com penas que variam de 14 a 17 anos de prisão.

A exposição das provas, em meio ao contraditório, deixa poucas dúvidas sobre a participação dos três nas invasões e depredações daquele domingo. A motivação política dos réus de derrubar o governo legitimamente eleito, embora inexequível, também foi convincentemente arguida pela Procuradoria.

A extensão das penas, contudo, está desalinhada do papel subalterno desempenhado pelos acusados naquele evento. Nenhum deles exerceu relevante função de liderança, financiamento ou organização no ataque vândalo. São réus mal remediados, ademais pessimamente defendidos por advogados oportunistas e desqualificados.

O risco é o Supremo pôr-se a demonstrar força contra "bagrinhos" e deixar para depois, à sombra da incerteza, a responsabilização dos peixes grandes, capazes de custear bancas advocatícias de prestígio e apoiar-se em redes de influências.

Não ajuda a afastar esse risco o fato de o ministro Dias Toffoli, em decisão recente e independente, ter favorecido a derrubada de provas de corrupção da Lava Jato que lastreiam indenizações bilionárias ao erário, além de ações judiciais e administrativas contra plutocratas.

A corte constitucional e seus ministros foram alvos constantes do autoritarismo de Jair Bolsonaro (PL) enquanto ele governou. O tribunal destacou-se na defesa do Estado democrático de Direito e precisa agora dar uma resposta firme aos amotinados do 8 de janeiro, para que a aventura não se repita.

Essa resposta, entretanto, não pode se confundir com acerto de contas políticas nem recair em exageros de punição. A democracia brasileira é pujante e prescinde de vingadores para assegurá-la.

Regra insalubre

Folha de S. Paulo

Governo tenta evitar gasto maior em saúde em 2023; transtorno tende a se repetir

Fosse outro o governo, o PT estaria fazendo discursos inflamados contra uma tentativa de barrar a aplicação de uma norma constitucional que direcionaria mais R$ 18 bilhões à área da saúde neste ano.

Como o presidente é Luiz Inácio Lula da Silva, seu partido contribuiu para a manobra. O deputado Zeca Dirceu (PR) incluiu em um projeto sobre tema absolutamente diverso um dispositivo que, na prática, desobriga o Executivo de cumprir neste ano o gasto mínimo em saúde equivalente a 15% de sua receita corrente líquida.

Sem isso, a administração petista pode ser obrigada a elevar de R$ 170,7 bilhões para R$ 188,7 bilhões as verbas do setor neste 2023 —restando menos de quatro meses para o final do ano.

Do ponto de vista da gestão pública, a medida faz todo o sentido. Não haveria tempo nem propósito definido para desembolsar o recurso extra; seria necessário, ademais, promover cortes bruscos em outros órgãos da Esplanada.

Cumpre apontar, no entanto, que esse foi um problema criado pelo próprio governo Lula —e, pior, que ele continuará assombrando a máquina pública no futuro.

A trapalhada tem origem na regra fiscal criada para substituir o tão satanizado teto de gastos criado em 2016. Com o novo mecanismo, voltaram a vigorar os artigos da Constituição que fixam em percentuais da receita os dispêndios mínimos em saúde e educação (nesta, 18% da coleta de impostos).

Esqueceu-se, ao que parece, de deixar claro no texto transformado em lei pelo Congresso que o restabelecimento desses pisos só deveria vigorar a partir de 2024. Mas cabe perguntar também se foi pensado como conciliar o mandamento da Carta com os planos de reequilíbrio do Orçamento.

Conforme a nova regra fiscal, a taxa de crescimento da despesa total do governo não pode ultrapassar 70% do crescimento da receita, respeitado o intervalo de 0,6% a 2,5% ao ano. Ora, se saúde e educação não estarão submetidas a esse limite, o controle dos gastos terá de se concentrar em outras áreas.

Para dificultar ainda mais a tarefa, o governo retomou a política de valorização real do salário mínimo, o que elevará os pagamentos obrigatórios de benefícios previdenciários e assistenciais.

Como sobra pouco do Orçamento para ajuste, e as demandas políticas e sociais serão muitas, pode-se prever que o transtorno de agora se repetirá em breve.

Um julgamento que precisa ser exemplar

O Estado de S. Paulo

Não basta o STF aplicar penas rigorosas aos réus do 8 de Janeiro. Para a efetiva proteção da democracia, todo o processo tem de ser exemplar – e chegar aos de cima e aos omissos

A condenação dos primeiros réus do 8 de Janeiro, depois de apenas oito meses dos fatos, denota um empenho admirável do Supremo Tribunal Federal (STF) para que os crimes praticados contra as instituições democráticas não fiquem impunes. A Justiça foi célere, mostrando com ações que o Estado Democrático de Direito tem meios de se defender. A democracia foi atacada, mas resistiu. E não ficou nem ficará indiferente.

São julgamentos históricos, extremamente importantes para a sociedade brasileira. Não se ataca a democracia impunemente. E, exatamente por sua especial dimensão pedagógica, os casos do 8 de Janeiro devem ser julgados de forma exemplar. Não basta ter uma pena rigorosa. Os processos devem ser julgados de forma igualmente escrupulosa, com aplicação criteriosa da lei. Não deve haver impunidade, tampouco vingança: deve haver justiça. A melhor resposta contra os atos golpistas é o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito.

Se o célere processamento das ações penais do 8 de Janeiro mostrou forte unidade do STF na defesa da democracia, o julgamento dos primeiros casos expôs também divergências significativas na aplicação da lei penal, atividade que nunca é simples. Não foram apenas os dois ministros indicados por Jair Bolsonaro que divergiram do relator dos processos, Alexandre de Moraes. Houve discrepâncias em relação à fixação da pena, a quais crimes foram praticados e, não menos importante, à interpretação dos novos tipos legais em defesa do Estado Democrático de Direito, criados pela Lei 14.197/2021.

As divergências explicitam a importância da colegialidade do STF, bem como da garantia do duplo grau de jurisdição. Exemplares na celeridade, esses processos precisam ser julgados com prudência. Não basta dar pena de 17 anos de prisão para que a democracia fique mais bem protegida. A finalidade pública desses processos será alcançada se, em todas as suas fases, puder ser vislumbrada uma aplicação firme, isenta e equilibrada da lei, sem interpretações draconianas. Entre outros aspectos, por se tratar de um processo penal, é imprescindível comprovar a responsabilidade subjetiva de cada réu, bem como analisar a culpabilidade individual. Somente agindo assim, todo esse trabalho do STF não será em vão: terá havido uma efetiva proteção do Estado Democrático de Direito.

As primeiras condenações de réus do 8 de Janeiro recordam também a necessidade de as investigações chegarem aos líderes da tentativa de golpe de Estado. Seria uma evidente injustiça que o STF fosse rigoroso com os pequenos e brando – ou ainda pior, omisso – com os de cima, com os cabeças. É uma questão de coerência lógica. Para que as atitudes dos réus julgados até o momento possam se configurar crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e crime de golpe de Estado, como a maioria dos ministros do Supremo entendeu, é preciso que tenha havido uma articulação e uma coordenação superiores – por exemplo, de quem ia assumir o poder após o golpe.

Além do respeito ao devido processo legal, os julgamentos do 8 de Janeiro precisam formar uma jurisprudência dos novos crimes da Lei 14.197/2021 que seja efetiva proteção do regime democrático. Não pode ser a criação de uma jurisprudência de impunidade para os de cima. É preciso, portanto, apurar se houve omissão das autoridades competentes na proteção da sede dos Três Poderes no 8 de Janeiro, de forma a identificar eventuais responsabilidades. E o mesmo se deve dizer em relação à conivência com os manifestantes golpistas que se reuniram na frente de quartéis ao longo de meses: se a estadia nesses acampamentos está sendo entendida pelos ministros como organização criminosa, é preciso que a Justiça chegue a quem foi cúmplice com esses crimes.

O volume de casos relativos ao 8 de Janeiro gera desafios monumentais para o STF. Mas o grande desafio desses processos não se relaciona com a quantidade, e sim com a qualidade da atividade judicial. O País está com os olhos postos na Corte. É preciso aplicar bem a lei e aplicá-la a todos.

Bola cantada

O Estado de S. Paulo

Com dívidas de mais de R$ 2,7 bilhões ‘penduradas’ no BNDES e em grave crise econômica, Cuba tentará renegociar dívida com Lula da Silva e, quem sabe, tentar uma nova ajuda

O governo cubano deve ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) US$ 561 milhões (em torno de R$ 2,7 bilhões, ao câmbio atual) pela construção do Porto Mariel, de acordo com dados disponíveis no site do banco. O calote de Cuba, que há mais de cinco anos deixou de honrar os empréstimos, é um tema complexo a esperar o presidente Lula da Silva em sua passagem por Havana, antes de seguir para Nova York, onde abrirá a Assembleia-Geral da ONU e terá encontro com o presidente americano, Joe Biden.

Lula, que durante sua viagem à Índia disse que pedirá a Biden a suspensão do embargo econômico a Cuba, desde o início de seu terceiro mandato tem se empenhado em defender o retorno dos financiamentos a obras no exterior. É recomendável que se contenha em Cuba, tanto no afã de oferecer ajuda aos companheiros quanto numa eventual “flexibilização” das condições de pagamento.

Recorde-se, aliás, que os empréstimos para a Odebrecht (atual Novonor) construir o Porto Mariel tiveram os contratos mais generosos que o banco estatal já concedeu a outros países. Não é exagero dizer que esses acordos – cinco, no total, de 2009 até 2013, mandatos de Lula e Dilma Rousseff – foram “de pai para filho”.

Iniciados em 1998, os financiamentos de serviços internacionais do BNDES tiveram prazo médio de 11 anos para pagamento. Cuba foi agraciada com 25 anos, ou seja, a quitação completa estava prevista para até 2038. O Tesouro avalizou, por meio do Fundo de Garantia às Exportações

(FGE), e já pagou ao banco ao menos US$ 62 milhões até 2019, último dado público disponível. O empréstimo foi também o único a contar com 100% do risco soberano de um país.

A agenda do presidente Lula em Cuba prevê a participação do encontro do G-77 (grupo de países em desenvolvimento) com a China e uma reunião bilateral com o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, conforme reportagem recente da rede britânica BBC. O tema da reunião dos dois presidentes será a reabertura das negociações para pagamento da dívida.

A boa vontade do presidente brasileiro com o governo cubano, às voltas com uma grave crise econômica, é óbvia. Em junho, em entrevista a uma rádio gaúcha, Lula declarou que Cuba e Venezuela são “bons pagadores”, mesmo sabendo da inadimplência de ambos com os empréstimos bilionários do BNDES. Deve considerar que isso é apenas um detalhe. Embora o perdão da dívida seja uma atitude política excessivamente arriscada e, por isso, fora de cogitação, há outros meios de “flexibilizar”.

Reportagem da Folha citou documentos internos do governo brasileiro obtidos pelo jornal para apontar, como possibilidades, a extensão ainda maior do prazo de pagamento, o uso de moeda alternativa ao dólar ou mesmo o pagamento em commodities. O problema é que os produtos mais exportados por Cuba são charuto e rum. É risível imaginar o Brasil recebendo, como pagamento, cargas e mais cargas de fumo e bebida.

Quando o governo Lula propôs o financiamento da obra de Porto Mariel, iniciada em 2009 e concluída em 2014, a propaganda governamental, apoiada inclusive por empresários da Fiesp, era de que o País se beneficiaria de um importante entreposto para as exportações para os Estados Unidos e todo o Caribe. Não aconteceu. Mas faz parte do risco o objetivo não ser totalmente alcançado. O problema é insistir nos mesmos erros.

Quando o governo brasileiro enveredou novamente pela ideia de distribuir financiamentos externos a países latinoamericanos e africanos, a oposição parlamentar reagiu com a tramitação de uma proposta de emenda à Constituição limitando os empréstimos internacionais do BNDES e submetendo-os à aprovação do Congresso. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, um requerimento do PT para retirar a proposta de pauta sofreu a derrota fragorosa de 45 votos a 18 há três semanas.

Depois da reforma ministerial que levou integrantes do PP e do Republicanos para a Esplanada, o governo conseguiu adiar a discussão na CCJ. Seja como for, o crivo parlamentar seria algo desejável ante a perspectiva de que o governo petista, mais uma vez, pretende confundir interesse nacional com sua ideologia obsoleta.

A banalidade do impeachment

O Estado de S. Paulo

Ameaça de processo contra Biden mostra que instrumento drástico virou arma de vingança

À medida que os EUA se aproximam da eleição de 2024, a polarização se intensifica e tensiona as instituições. Elas podem emergir mais íntegras, mas o risco de saírem degradadas é grande e cresceu com a decisão do presidente da Câmara, Kevin McCarthy, de instaurar uma investigação de impeachment contra o presidente Joe Biden.

Os republicanos esperam provar que Biden usou seu cargo quando vice-presidente para ajudar seu filho Hunter Biden a fechar negócios lucrativos. As alegações têm sido investigadas em inquéritos contra Hunter e por três comitês da Câmara, mas não foram produzidas evidências que implicassem Biden. Os republicanos alegam que não o foram porque a Casa Branca manipulou instituições como o Departamento de Justiça ou a Receita Federal para suprimi-las. A investigação serviria justamente para dar poderes aos deputados de contornar essas barreiras.

A menos que provas arrebatadoras sejam encontradas, a chance de um Senado majoritariamente democrata condenar o presidente é nula. Mas, se indícios robustos vierem à tona, os eleitores podem ser convencidos de que a família Biden realmente instaurou uma “cultura de corrupção”. Uma pesquisa revelou que 61% dos americanos acreditam que o presidente estava envolvido nos negócios do filho.

Mas a aposta republicana também é arriscada. Eles terão de convencer a opinião pública de que Biden abusou de seu poder para favorecer os negócios do filho ou acobertar seus crimes, e que as investigações não os distrairão de outras questões relevantes. Do contrário, o processo se parecerá menos com uma investigação séria e mais como uma vingança contra os impeachments de Donald Trump.

Há sinais nesse sentido. O primeiro impeachment de Trump foi um ato voluntarista baseado em indícios fracos. Mas não se corrige um erro com outro. McCarthy poderia esperar a conclusão dos inquéritos ou legitimar sua decisão submetendo-a a uma votação na Câmara. Mas agiu monocraticamente, sob pressão de Trump e seus correligionários.

“O Congresso”, advertiu o Wall Street Journal, “corre o risco de transformar a séria sanção do impeachment em uma nova reprovação – uma declaração de repreensão mais do que uma ameaça de remoção.” Os sinais dessa banalização estão aí. Presidentes sofreram impeachment da Câmara só quatro vezes – nenhum foi condenado pelo Senado. O primeiro foi em 1860. Os outros aconteceram só nos últimos 25 anos: Bill Clinton, em 1998, e depois Trump, em 2019 e 2021. Com Trump, outro padrão foi rompido: ele foi o primeiro ex-presidente indiciado em um processo criminal, e agora já o foi em quatro.

Esses processos podem ser uma prova de que as instituições estão funcionando para responsabilizar, conforme a lei, quaisquer malfeitores, mesmo que sejam presidentes. Ou podem ser a prova de que as instituições estão sendo manipuladas por políticos para distorcer a lei e usá-la como arma contra seus adversários, mesmo que sejam presidentes. O bom desfecho dependerá da transparência e da máxima diligência dessas instituições na condução de seus procedimentos.

 

Um comentário:

  1. "A jurista Sylvia Steiner, única brasileira a integrar a Corte (ela atuou no TPI por 13 anos) afirmou ao GLOBO que a adesão não pode ser revogada nem alterada." Mas o editorial cita 2 países que se retiraram do TPI: Burundi e Filipinas. Alguém parece estar enganado nesta questão!

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