sábado, 16 de setembro de 2023

Pablo Ortellado - Petismo quer sufocar a dissidência

O Globo

Gregório foi atacado nas redes após convidar Lula a tomar um café com candidatas negras à vaga que será aberta no STF

Na semana passada, o humorista Gregório Duvivier fez uma publicação no X (antigo Twitter) convidando o presidente Lula a tomar um café com candidatas negras à vaga que será aberta no STF. O post não era agressivo. Apenas dizia, simpaticamente:

— Nós marcamos um café pro Lula conhecer algumas juristas negras com notável saber jurídico que podem ocupar a próxima vaga do STF. Ajude a gente a fazer o convite chegar até ele.

Não havia nenhuma crítica ao presidente, apenas o convite para um café. Mesmo assim, a publicação foi respondida com uma duríssima campanha de ataques pessoais. Gregório foi chamado de “maconheiro do Leblon”, “agente da CIA” querendo promover uma “revolução colorida” com “dinheiro do Soros”, foi acusado de ter uma empresa racista e de fazer “humor racista”. A grande disparidade entre o delicado convite para o café e as pesadas críticas pessoais é sinal da indisposição radical de parte da militância petista em aceitar qualquer forma de dissidência ou posicionamento independente, especialmente de alguém que faz parte do campo da esquerda.

É difícil saber se o ataque a Duvivier foi combinado, no todo ou em parte, ou um fenômeno espontâneo, em que um ataque bem-sucedido, recompensado com muitas curtidas, estimula o ataque seguinte. Se foi combinado, isso significa que a militância petista ou alguma coordenação sua decidiu que não aceitaria mais reparos ao Lula, mesmo quando fossem respeitosos ou viessem pela esquerda. E, se não foi combinado, mas espontâneo, o efeito é o mesmo, e a situação é ainda mais preocupante, porque, nesse caso, o espírito de intolerância já está entranhado na militância — na cultura compartilhada de patrulhamento a quem desobedece às decisões estratégicas do partido.

Para alguns analistas, o ataque mostra o conflito entre uma esquerda clássica, mais classista, de que Lula faz parte, e a nova esquerda identitária, de quem Lula gostaria de receber apoio, mas com que não teria muito compromisso. A inclinação para escolher um ministro homem e branco, porém comprometido com os valores dessa esquerda clássica, expõe o conflito.

Só que Lula não tem escolhido ministros esquerdistas e classistas, como o exemplo de Zanin demonstra. Escolhe os que acredita ser fiéis, aqueles que não o “trairão”, como alguns indicados nos mandatos anteriores que terminaram apoiando a Lava-Jato e sua prisão. Os ataques a Duvivier não são reflexo de um conflito entre classistas e identitários, mas entre os que se subordinam e os que não necessariamente aceitam as decisões estratégicas do PT.

A maioria das críticas que ele recebeu não foram “classistas”, mas empregavam a linguagem do movimento negro. Duvivier foi acusado de ser um “branco do Leblon” (mesmo vivendo em Laranjeiras), de não manter diretores negros na empresa Porta dos Fundos e de fazer piadas “racistas”.

O que mais choca nesses ataques é o caráter pessoal. A campanha por uma ministra negra no STF não foi respondida com argumentos. Poderiam ter dito que a representação de negros e mulheres pode até ser interessante, mas não é suficiente, e um candidato homem e branco, com formação jurídica sólida e boas posições, poderia ser mais adequado. Mas não.

A resposta consistiu em destruir a reputação do porta-voz da campanha, acusando-o de racista, elitista e imperialista. Centenas de postagens e artigos em blogs promoveram sua desqualificação pessoal. Todo mundo que apoiava a campanha pensou: se fizeram isso com o Gregório, que farão comigo? O resultado foi o esperado: a campanha por uma ministra negra no STF morreu, e o próximo ministro seguramente será um homem branco, fiel a Lula.

 

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