sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Vera Magalhães - Lula fala ao bolso para ampliar a base

O Globo

O presidente faz um chamado a quem votou em Bolsonaro para comparar os períodos e refletir se sua vida está melhor

O pronunciamento de Lula na véspera do 7 de Setembro ignorou os militares e Jair Bolsonaro, propositalmente. A costura para a aproximação entre o presidente e a caserna vem sendo feita e tem avançado, mas ele preferiu usar a efeméride que o antecessor tanto desvirtuou para falar com o conjunto da sociedade, não com as Forças Armadas.

Trata-se de movimento inteligente, que foi bem executado. A fala listou feitos dos primeiros oito meses do governo, todos eles voltados para o bolso do eleitor. A defesa da democracia esteve presente no slogan, mas mesmo o conceito foi traduzido em bases concretas para a vida das pessoas, apresentado como “matéria-prima” para o combate à desigualdade e para o crescimento do país.

Lula evocou os bons números de seus governos anteriores, ao fazer referência a programas que foram recriados e a dados como o crescimento do PIB neste ano, provavelmente o maior desde 2010, último ano de seu segundo mandato, quando deixou o Planalto montado em índices de popularidade superiores a 80%.

A mensagem, veiculada numa peça para cima, em que Lula aparece sorridente e confiante, não fez menção direta nenhuma a Bolsonaro ou às jornadas golpistas que ele empreendeu nos dois últimos dias da Independência. Mas a comparação estava latente o tempo todo.

O público-alvo ali não eram apenas os eleitores de Lula, para os quais a fala tem o caráter de prestação de contas, mas também, e sobretudo, os de Bolsonaro. Ao chamar a atenção para os aspectos positivos da economia, alcançados, segundo o texto fez questão de frisar, em poucos meses, o presidente faz um chamado a quem votou em Bolsonaro para que compare os períodos e reflita sobre se sua vida está melhor que há um ano.

O desfile tranquilo, sem discurso golpista e com a presença dos representantes dos demais Poderes no palanque, funcionou com complemento da mensagem da véspera.

Os bolsonaristas até tentaram alguns expedientes para vender o peixe de que foi um “7 de Setembro sem povo”, mas, de novo, foram tragados pela adversidade, quando a jornalista Andréia Sadi noticiou em primeira mão a única bomba do feriado: a informação de que o tenente-coronel Mauro Cid fechou os termos de uma delação premiada com a Polícia Federal, que terá de ser homologada por Alexandre de Moraes — a quem Bolsonaro chamou de canalha no 7 de Setembro de 2021. Ironia pouca é bobagem.

De certa forma, o feriado que Bolsonaro transformou em símbolo de sua intentona golpista, para a qual arrastou lamentavelmente as Forças Armadas, parece ter encerrado esse capítulo. Ao prometer investir em renovação de tecnologia e equipamento para as Armas e numa política de reajuste de soldos para os militares, Lula vai tornando o antecessor página virada como influência sobre os quartéis.

A delação de Cid é um símbolo acabado da exaustão do relacionamento nada republicano que um ex-militar que passou à reserva depois de quebrar a hierarquia e a disciplina conseguiu estabelecer sobretudo com o Exército que o expeliu. O faz-tudo se viu diante da constatação de que o ex-chefe não hesitaria em jogar tudo em suas costas e resolveu falar. O potencial explosivo disso é incalculável.

Bolsonaro parece perceber a rápida erosão de sua base social. Tanto que, sem ter como mobilizá-la, saiu-se com o truque de pedir para os cidadãos não irem às ruas, quando provavelmente já não iriam.

Para Lula, a virada de página não se resume aos militares: a economia aquecida quebrou as resistências que havia a ele no mercado, e a reforma ministerial o aproxima também das siglas que integram a coalizão bolsonarista, inclusive do partido de Tarcísio de Freitas — que, ao não vetar o ingresso do Republicanos na base lulista, mostra estar, também ele, se afastando discretamente do criador.

 

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