O Globo
O presidente faz um chamado a quem votou em
Bolsonaro para comparar os períodos e refletir se sua vida está melhor
O pronunciamento de Lula na véspera do 7 de
Setembro ignorou os militares e Jair Bolsonaro, propositalmente. A costura para
a aproximação entre o presidente e a caserna vem sendo feita e tem avançado,
mas ele preferiu usar a efeméride que o antecessor tanto desvirtuou para falar
com o conjunto da sociedade, não com as Forças Armadas.
Trata-se de movimento inteligente, que foi
bem executado. A fala listou feitos dos primeiros oito meses do governo, todos
eles voltados para o bolso do eleitor. A defesa da democracia esteve presente
no slogan, mas mesmo o conceito foi traduzido em bases concretas para a vida
das pessoas, apresentado como “matéria-prima” para o combate à desigualdade e
para o crescimento do país.
Lula evocou os bons números de seus
governos anteriores, ao fazer referência a programas que foram recriados e a
dados como o crescimento do PIB neste ano, provavelmente o maior desde 2010,
último ano de seu segundo mandato, quando deixou o Planalto montado em índices
de popularidade superiores a 80%.
A mensagem, veiculada numa peça para cima, em que Lula aparece sorridente e confiante, não fez menção direta nenhuma a Bolsonaro ou às jornadas golpistas que ele empreendeu nos dois últimos dias da Independência. Mas a comparação estava latente o tempo todo.
O público-alvo ali não eram apenas os eleitores
de Lula, para os quais a fala tem o caráter de prestação de contas, mas também,
e sobretudo, os de Bolsonaro. Ao chamar a atenção para os aspectos positivos da
economia, alcançados, segundo o texto fez questão de frisar, em poucos meses, o
presidente faz um chamado a quem votou em Bolsonaro para que compare os
períodos e reflita sobre se sua vida está melhor que há um ano.
O desfile tranquilo, sem discurso golpista
e com a presença dos representantes dos demais Poderes no palanque, funcionou
com complemento da mensagem da véspera.
Os bolsonaristas até tentaram alguns
expedientes para vender o peixe de que foi um “7 de Setembro sem povo”, mas, de
novo, foram tragados pela adversidade, quando a jornalista Andréia Sadi
noticiou em primeira mão a única bomba do feriado: a informação de que o
tenente-coronel Mauro Cid fechou os termos de uma delação premiada com a
Polícia Federal, que terá de ser homologada por Alexandre de Moraes — a quem
Bolsonaro chamou de canalha no 7 de Setembro de 2021. Ironia pouca é bobagem.
De certa forma, o feriado que Bolsonaro
transformou em símbolo de sua intentona golpista, para a qual arrastou
lamentavelmente as Forças Armadas, parece ter encerrado esse capítulo. Ao
prometer investir em renovação de tecnologia e equipamento para as Armas e numa
política de reajuste de soldos para os militares, Lula vai tornando o
antecessor página virada como influência sobre os quartéis.
A delação de Cid é um símbolo acabado da
exaustão do relacionamento nada republicano que um ex-militar que passou à
reserva depois de quebrar a hierarquia e a disciplina conseguiu estabelecer
sobretudo com o Exército que o expeliu. O faz-tudo se viu diante da constatação
de que o ex-chefe não hesitaria em jogar tudo em suas costas e resolveu falar.
O potencial explosivo disso é incalculável.
Bolsonaro parece perceber a rápida erosão
de sua base social. Tanto que, sem ter como mobilizá-la, saiu-se com o truque
de pedir para os cidadãos não irem às ruas, quando provavelmente já não iriam.
Para Lula, a virada de página não se resume
aos militares: a economia aquecida quebrou as resistências que havia a ele no
mercado, e a reforma ministerial o aproxima também das siglas que integram a
coalizão bolsonarista, inclusive do partido de Tarcísio de Freitas — que, ao
não vetar o ingresso do Republicanos na base lulista, mostra estar, também ele,
se afastando discretamente do criador.
''Reajuste de soldos para os militares'',mais ainda?
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