O Globo
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, é
voz isolada contra pacote do retrocesso na legislação eleitoral, mas não deve
conter aprovação
Quando PL, PT e praticamente todos os
partidos do Brasil se unem em torno de propostas como o pacote que, de uma
tacada só, anistia as infrações eleitorais passadas e afrouxa as regras para o
futuro, são diminutas as chances de que a reação da sociedade ou uma tentativa
isolada como a do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, consigam conter um
imenso retrocesso.
É diante desse cenário de uma união quase
total que avançam, sob a batuta de Arthur Lira, duas propostas de emenda à
Constituição que, com texto propositalmente confuso e subliminar, minam de uma
vez todos os controles da Justiça sobre gastos eleitorais com dinheiro público
e as regras que visavam a garantir um mínimo de equidade de gênero e racial nas
candidaturas e, consequentemente, na representação parlamentar.
É ensurdecedor o silêncio de muitas mulheres em postos de poder — que têm feito o discurso da necessidade de as mulheres terem voz e voto na política — diante do avanço da PEC da Anistia às infrações de 2022, inclusive às regras de cotas e destinação de recursos a candidaturas femininas, e diante da “minirreforma” eleitoral, que visa a fazer letra morta dessas iniciativas recentes.
No governo Lula, as ministras Cida
Gonçalves (Mulheres) e Anielle Franco (Igualdade Racial) soltaram uma nota
conjunta em maio, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou
a admissibilidade da anistia, mas não se ouviram protestos dessas e de outras
pastas comandadas por mulheres diante do avanço, com a rapidez típica dos
projetos que Lira abraça, da tal reforma do retrocesso.
A reação mais firme veio justamente de
Pacheco, que repetiu o que fez em 2021 diante de outra correria da Câmara para
tentar mudar as regras do jogo às vésperas do ano eleitoral. Agora como antes,
o presidente do Senado demonstrou disposição de parar a bola e evitar a
discussão a toque de caixa de uma série de medidas a que a sociedade está
alheia.
Ele é um político conservador, no sentido
clássico da palavra, e não na acepção reacionária do bolsonarismo. Por isso foi
pela manutenção da autonomia do Banco Central, contra o tal Código Eleitoral de
2021 e engavetou o projeto que a Câmara votou às pressas para tentar emplacar o
marco temporal para a demarcação das terras indígenas antes que o Supremo
Tribunal Federal analisasse o tema.
O contraponto a Lira é claro, uma vez que o
presidente da Câmara manobra a pauta da Casa que comanda ao bel-prazer dos interesses
do grupo de partidos que orbitam em torno de si.
A tal reforma, que vem na esteira de uma
anistia vergonhosa, quer dar à cúpula dos partidos que cresceram em 2022 maior
poder discricionário na definição de candidaturas e na gestão desses recursos,
que são públicos, ao mesmo tempo que afrouxa a fiscalização sobre o dinheiro e
sobre as regras que tentam garantir maior acesso de mulheres e negros a esses
espaços de poder.
Não à toa, a coisa foi toda urdida nos
bastidores e só trazida à luz do dia quando já havia toda a articulação pronta
para votar na correria, aprovar com o aval de todo mundo e não dar à opinião
pública o tempo de entender do que se trata e de pressionar o Congresso pela
rejeição da agenda regressiva.
Sobra Pacheco na retaguarda. Diferentemente
de 2021, agora a pressão para que ele coloque as PECs para andar é grande.
Sobretudo a da minirreforma, para a qual existe prazo.
A articulação política do governo e o
próprio Lula lavaram as mãos e fingem que o tema não existe. Mais uma demonstração,
além das já dadas na reforma ministerial e nas conversas para indicação de
ministros do STF e procurador-geral da República, de que temas como equidade de
gênero nos espaços de poder rendem votos, mas não viram compromisso de Estado.
Muito bom!
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