sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Vera Magalhães - Quase todos unidos pelo retrocesso

O Globo

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, é voz isolada contra pacote do retrocesso na legislação eleitoral, mas não deve conter aprovação

Quando PL, PT e praticamente todos os partidos do Brasil se unem em torno de propostas como o pacote que, de uma tacada só, anistia as infrações eleitorais passadas e afrouxa as regras para o futuro, são diminutas as chances de que a reação da sociedade ou uma tentativa isolada como a do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, consigam conter um imenso retrocesso.

É diante desse cenário de uma união quase total que avançam, sob a batuta de Arthur Lira, duas propostas de emenda à Constituição que, com texto propositalmente confuso e subliminar, minam de uma vez todos os controles da Justiça sobre gastos eleitorais com dinheiro público e as regras que visavam a garantir um mínimo de equidade de gênero e racial nas candidaturas e, consequentemente, na representação parlamentar.

É ensurdecedor o silêncio de muitas mulheres em postos de poder — que têm feito o discurso da necessidade de as mulheres terem voz e voto na política — diante do avanço da PEC da Anistia às infrações de 2022, inclusive às regras de cotas e destinação de recursos a candidaturas femininas, e diante da “minirreforma” eleitoral, que visa a fazer letra morta dessas iniciativas recentes.

No governo Lula, as ministras Cida Gonçalves (Mulheres) e Anielle Franco (Igualdade Racial) soltaram uma nota conjunta em maio, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a admissibilidade da anistia, mas não se ouviram protestos dessas e de outras pastas comandadas por mulheres diante do avanço, com a rapidez típica dos projetos que Lira abraça, da tal reforma do retrocesso.

A reação mais firme veio justamente de Pacheco, que repetiu o que fez em 2021 diante de outra correria da Câmara para tentar mudar as regras do jogo às vésperas do ano eleitoral. Agora como antes, o presidente do Senado demonstrou disposição de parar a bola e evitar a discussão a toque de caixa de uma série de medidas a que a sociedade está alheia.

Ele é um político conservador, no sentido clássico da palavra, e não na acepção reacionária do bolsonarismo. Por isso foi pela manutenção da autonomia do Banco Central, contra o tal Código Eleitoral de 2021 e engavetou o projeto que a Câmara votou às pressas para tentar emplacar o marco temporal para a demarcação das terras indígenas antes que o Supremo Tribunal Federal analisasse o tema.

O contraponto a Lira é claro, uma vez que o presidente da Câmara manobra a pauta da Casa que comanda ao bel-prazer dos interesses do grupo de partidos que orbitam em torno de si.

A tal reforma, que vem na esteira de uma anistia vergonhosa, quer dar à cúpula dos partidos que cresceram em 2022 maior poder discricionário na definição de candidaturas e na gestão desses recursos, que são públicos, ao mesmo tempo que afrouxa a fiscalização sobre o dinheiro e sobre as regras que tentam garantir maior acesso de mulheres e negros a esses espaços de poder.

Não à toa, a coisa foi toda urdida nos bastidores e só trazida à luz do dia quando já havia toda a articulação pronta para votar na correria, aprovar com o aval de todo mundo e não dar à opinião pública o tempo de entender do que se trata e de pressionar o Congresso pela rejeição da agenda regressiva.

Sobra Pacheco na retaguarda. Diferentemente de 2021, agora a pressão para que ele coloque as PECs para andar é grande. Sobretudo a da minirreforma, para a qual existe prazo.

A articulação política do governo e o próprio Lula lavaram as mãos e fingem que o tema não existe. Mais uma demonstração, além das já dadas na reforma ministerial e nas conversas para indicação de ministros do STF e procurador-geral da República, de que temas como equidade de gênero nos espaços de poder rendem votos, mas não viram compromisso de Estado.

 

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