quinta-feira, 28 de setembro de 2023

William Waack - Lula e suas vontades

O Estado de S. Paulo

Em parte o presidente está conseguindo o que ele quer

Lula vai para uma pausa forçada por razões de saúde, e desejamos que se recupere logo e bem da operação de artrose no quadril. Como vem fazendo cada vez mais, Janja zelosamente guardará o espaço à volta do presidente. Esse espaço não é meramente físico, e tem incluído também quem o presidente ouve.

Lula deixou para depois da intervenção cirúrgica algumas definições importantes e de grande alcance político, como a nomeação de ministro para o STF, um novo chefe do Ministério Público, os termos finais de um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia, os parâmetros da transição energética (exploração de petróleo na Amazônia), entre outros.

A demora em tomar decisões abrangentes tem sido característica importante de seu terceiro mandato. Uma delas encareceu substancialmente o “preço” político de governar. Trata-se do longuíssimo acerto com o Centrão para distribuição de pedaços da máquina pública e do orçamento, no qual Lula provavelmente jamais conseguirá saciar o apetite dessas forças políticas.

Outra característica relevante do atual mandato é a figura de um Lula mais “intuitivo” e cheio de “vontades”. A de gastar e expandir as despesas públicas, por exemplo, foi transformada em eixo central da política econômica. Assim como desfazer matérias importantes acertadas no Congresso – não importa a recente advertência dura e explícita do presidente do Senado para os perigos dessa “vontade”.

A “credibilidade” e a “estabilidade” que Lula promete aos agentes econômicos têm sido recebidas por eles com a expectativa de juros futuros mais altos e com a resignada certeza de que terão mais, e não menos, impostos pela frente. Além da teimosa postura de confrontar o governo com a questão fiscal, acentuada pela dúvida se as autoridades estariam outra vez seduzidas pela criatividade contábil no trato das contas.

A “vontade” de Lula em relação ao exterior está sendo realizada. Na ausência de uma definição de objetivos estratégicos (um problema brasileiro de longo prazo), a política externa acaba se transformando, nas palavras do professor José Guilhon Albuquerque, em “exercícios opinativos de livre escolha” por parte do presidente. Portanto, a ação externa é a agenda pessoal do chefe do Executivo.

No geral, se era mesmo uma “vontade” de Lula – pacificar o País –, até aqui ela não se cumpriu. Ao contrário: a divisão que saiu das urnas se aprofundou e não diminuiu. Tornou-se mais calcificada, geograficamente mais delimitada, socialmente mais perigosa (com contornos de raça, classe e religião) e politicamente mais intratável.

Talvez seja a vontade de Lula ver nessa divisão uma vantagem política nas próximas eleições.

 

 

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