O Estado de S. Paulo
Em parte o presidente está conseguindo o que
ele quer
Lula vai para uma pausa forçada por razões de
saúde, e desejamos que se recupere logo e bem da operação de artrose no quadril.
Como vem fazendo cada vez mais, Janja zelosamente guardará o espaço à volta do
presidente. Esse espaço não é meramente físico, e tem incluído também quem o
presidente ouve.
Lula deixou para depois da intervenção cirúrgica algumas definições importantes e de grande alcance político, como a nomeação de ministro para o STF, um novo chefe do Ministério Público, os termos finais de um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia, os parâmetros da transição energética (exploração de petróleo na Amazônia), entre outros.
A demora em tomar decisões abrangentes tem
sido característica importante de seu terceiro mandato. Uma delas encareceu
substancialmente o “preço” político de governar. Trata-se do longuíssimo acerto
com o Centrão para distribuição de pedaços da máquina pública e do orçamento,
no qual Lula provavelmente jamais conseguirá saciar o apetite dessas forças
políticas.
Outra característica relevante do atual
mandato é a figura de um Lula mais “intuitivo” e cheio de “vontades”. A de
gastar e expandir as despesas públicas, por exemplo, foi transformada em eixo
central da política econômica. Assim como desfazer matérias importantes
acertadas no Congresso – não importa a recente advertência dura e explícita do
presidente do Senado para os perigos dessa “vontade”.
A “credibilidade” e a “estabilidade” que Lula
promete aos agentes econômicos têm sido recebidas por eles com a expectativa de
juros futuros mais altos e com a resignada certeza de que terão mais, e não
menos, impostos pela frente. Além da teimosa postura de confrontar o governo
com a questão fiscal, acentuada pela dúvida se as autoridades estariam outra
vez seduzidas pela criatividade contábil no trato das contas.
A “vontade” de Lula em relação ao exterior
está sendo realizada. Na ausência de uma definição de objetivos estratégicos
(um problema brasileiro de longo prazo), a política externa acaba se
transformando, nas palavras do professor José Guilhon Albuquerque, em
“exercícios opinativos de livre escolha” por parte do presidente. Portanto, a
ação externa é a agenda pessoal do chefe do Executivo.
No geral, se era mesmo uma “vontade” de Lula
– pacificar o País –, até aqui ela não se cumpriu. Ao contrário: a divisão que
saiu das urnas se aprofundou e não diminuiu. Tornou-se mais calcificada,
geograficamente mais delimitada, socialmente mais perigosa (com contornos de
raça, classe e religião) e politicamente mais intratável.
Talvez seja a vontade de Lula ver nessa
divisão uma vantagem política nas próximas eleições.
Será?
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