quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Maria Cristina Fernandes = De Moraes ao Congresso, os embates de Barroso no STF

Valor Econômico

Entre a posse de Barroso, em junho de 2013, e sua ascensão à presidência da Corte, o Brasil que saiu às ruas por mais democracia passou a fazê-lo para destruí-la

Dois dias antes da posse do ministro Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes deu um “spoiler” ou uma “canja”, a depender da idade do leitor, daquele que está marcado para ser um dos principais embates da gestão do próximo presidente da Corte.

Moraes suspendeu a participação das Forças Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral bem como do rol de entidades fiscalizadoras - “Não se mostrou necessário, razoável e eficiente”, disse, ao aprovar a decisão no Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade.

Os militares foram incluídos no rol em 2020, na gestão da ministra Rosa Weber no TSE, mas, assim como outras entidades, não mandavam representantes nem se interessaram pela tarefa. Foi a criação da comissão por Barroso que levou à designação de representantes e efetivou a participação militar.

Barroso foi duramente cobrado, ao longo de 2022, por ter contribuído para levar os militares para dentro do processo eleitoral. Agora assume o STF sob forte pressão para que a Corte tenha seus poderes “reequilibrados”. Se ninguém nega o papel decisivo do Supremo para a defesa da democracia, uma parcela considerável do meio jurídico e empresarial e da população, teme que esses poderes tenham se exacerbado. Ao revogar a comissão, Moraes traça a risca de giz. Excessos, todos cometem.

O julgamento dos três primeiros réus dos atos antidemocráticos tanto foi uma demonstração da exacerbação de Moraes quanto da contenção ensaiada por Barroso. O primeiro desqualificou os advogados dos réus e o segundo, viu na cumulatividade de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito uma dupla punição pelo mesmo fato, levando-o a optar apenas pela imputação do primeiro crime.

Barroso abriu divergência que reduziria a pena do principal réu, Aécio Lúcio Costa, dos 17 anos preconizados por Moraes, para 10. O relator prevaleceu, mas ficou claro que deixara de unificar o tribunal na matéria. Amealhou um placar de 7 x 4, contando ainda a divergência de Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça.

Barroso formulou, numa frase, o que pretende: o Supremo, sozinho, não consegue conter o golpismo. “É preciso que a sociedade esteja alinhada”, disse, sugerindo que este seria o intuito de sua moderação. Se o STF, sozinho, não move o país, seu presidente tampouco domina o plenário. Barroso não será capaz de conter Moraes sem o apoio dos demais, a começar por Gilmar Mendes, maior aliado do relator do inquérito de 8/1.

Muita coisa mudou desde que Barroso, em 2018, chamou o colega de “pessoa horrível”, “mistura do mal com atraso” e “pitadas de psicopatia”. Hoje frequenta a casa de Gilmar e chegou mesmo a redigir um voto em conjunto com o colega no caso do piso da enfermagem.

Dez anos depois de sua posse, já não passa recibo. Indagado sobre a decisão do TSE, Barroso diz que a pacificação não pressupõe que se renuncie às próprias convicções, mas que se possa “conviver com quem pensa de maneira diferente com respeito e consideração”.

O jogo sairá das entrelinhas se o ex-presidente vier a ser denunciado. É um encontro marcado com a questão do foro. Não parece haver dúvida de que uma acusação robusta de golpismo, como aquela que pode surgir da delação do coronel Mauro Cid, tem o STF como foro, por conta do inquérito do 8/1. A mesma certeza não se tem, por exemplo, em relação ao boicote às vacinas da Covid, ou ao contrabando de joias.

Se o ímpeto de Moraes e o libelo pacifista de Barroso sugerem embate em torno da competência, não está claro como o Executivo seria impactado. Se, por um lado, a mobilização permanente em torno do golpismo minimiza a atenção dada aos tropeços deste governo, a galvanização do tema pelo STF mantém a sociedade dividida. Bolsonaro já não tem mais a metade do país ao seu lado, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tampouco avança sobre seu eleitor porque é visto como “sócio” do Supremo.

Barroso era presidente do TSE quando a Corte, seguindo a Ficha Limpa, negou o registro eleitoral de Lula em 2018. Não deixou ruídos na relação. Desde outubro, encontraram-se em São Paulo e em Brasília. Lula chegou a jantar na casa do ministro antes do agravamento da saúde de sua esposa, Tereza, que veio a falecer em 13 de janeiro deste ano.

O mesmo não acontece na relação de Barroso com o Congresso. Publicamente, as rixas giram em torno do marco temporal das terras indígenas e da liberalização da maconha para uso pessoal. O peso do eleitorado conservador move os parlamentares a ter a última palavra no tema.

Na coxia, o embate é outro. O Centrão não engoliu o bloqueio de recursos do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, investigado por supostos desvios de emendas à Codevasf. O almejado parlamentarismo não passa pela prestação de contas.

É um antigo embate que está por ser reavivado. Entre a posse de Barroso, em junho de 2013, e sua ascensão à presidência da Corte, o Brasil que saiu às ruas por mais democracia passou a fazê-lo para destruí-la. 2013 moveu o motor com qual o ministro esperava “empurrar” a Corte ante a paralisia de uma política oligárquica, conservadora e corrupta.

A Lava-Jato e, em seguida, o bolsonarismo, pegaram carona naquele empurrão. Dez anos depois, o Supremo assumiu o protagonismo, mas, desta vez, para frear o vandalismo golpista e autoritário. As expectativas em torno da posse de Barroso se concentram na marcha que, entre o empurrão e o freio, imporá à Corte ou, como prefere o ministro, à história.

 

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