O Globo
Há muito a avançar na revisão de regras,
mas com frequência dobramos apostas equivocadas, como na discussão para elevar
o teto do MEI
Desde 2000, a renda per capita (corrigida
pelo poder de compra, FMI) no Brasil cresceu
em média 1,3% ao ano, ante 2,4% no Chile e 0,5%
no México.
As diferenças não são explicadas pelo
quadro macroeconômico. Afinal, esses países adotam regime de política econômica
similar, com metas de inflação, câmbio flutuante e compromisso com a disciplina
fiscal (mais frágil no Brasil).
A conclusão acima encontra respaldo na
literatura econômica, que aponta como elemento chave para o crescimento
sustentado dos países as regras do jogo que promovem ganhos de produtividade
(do capital e do trabalho). Importantes exemplos são o investimento no capital
humano, o direito de propriedade bem estabelecido, a segurança jurídica e a
concorrência nos mercados.
Na educação, o México está melhor que o Brasil, enquanto o Chile é referência na região. Não por acaso a produtividade do trabalho (produto/hora trabalhada) no Brasil é 76% da mexicana e 60% da chilena (Conference Board, 2022). O problema é a estagnação observada no México desde 2000, enquanto o Brasil registrou elevação de 15% e o Chile, 38%.
Certamente outros fatores pesam no
crescimento, sendo que as experiências de Chile e México trazem lições para o
Brasil, do que fazer e do que não fazer.
Santiago Levy, no livro Under-Rewarded
Efforts, investiga a frustração com o desempenho do México e aponta como fator
principal as várias políticas públicas que, mesmo bem-intencionadas, causam má
alocação de recursos na economia e baixa produtividade.
São regras trabalhistas, regulatórias, de
tributação, de seguridade social e mesmo de proteção social, e que teriam
piorado desde 1998. Isso em meio à insegurança jurídica que afasta
investimentos.
São todas elas incentivos à informalidade.
E uma vez informal, a empresa não tem estímulo para investir, inovar e crescer,
pois isso significaria renunciar a proteções e pagar mais impostos. Empresas
pouco produtivas sobrevivem e proliferam, e empresas eficientes crescem pouco.
Só aquelas muito grandes acabam sendo
competitivas, o que produz maior concentração de mercado. Há ainda
consequências perversas no mercado de trabalho, que deixa de atrair pessoas
mais qualificadas.
O autor fala em “criação destrutiva”; um
trocadilho para uma ideia oposta à “destruição criativa” de Schumpeter — quando
novos empreendimentos inovadores substituem outros menos eficientes.
Enredo bem parecido se repete no Brasil.
No Chile, as escolhas foram outras. Várias
reformas pró-mercado foram introduzidas desde a (terrível) ditadura de
Pinochet. Sebastian Edwards, no livro The Chile Project, divide o período
pós-1973 em 3 fases. Na primeira, até 1982, o principal foco dos técnicos
(Chicago Boys) foi a tempestiva estabilização de preços, ocorrendo também
desregulamentação massiva de mercados e privatizações. Em 1979, estendeu-se o
modelo para serviços sociais, como saúde, educação e previdência.
Em 1984, depois de flertes do regime com o
nacionalismo — uma marca do regime militar no Brasil —, uma segunda geração de
Chicago Boys buscou aprofundar o modelo e atrair o investimento estrangeiro.
Com o retorno da democracia em 1990, o
modelo não só foi mantido, como foi aprofundado pelos novos líderes, muitos
deles perseguidos pelo regime militar, e com apoio de partidos de esquerda.
Sucessivos governos expandiram programas sociais, e foi criado o sistema de
empréstimos para educação universitária.
Nos últimos anos, ajustes nas políticas
públicas foram negligenciados, o que foi combustível para revoltas em uma
sociedade também mais exigente. Ainda assim, os indicadores sociais são muito
melhores do que na América Latina.
O Brasil está mais para México do que para
Chile, apesar da volta das reformas desde 2015, enquanto López Obrador produz
retrocessos. Não se trata de repetir a experiência chilena, que possivelmente
não seria viável, naquela rapidez, em um contexto democrático, mas sim de se
mirar nos bons exemplos de políticas públicas.
Há muito a avançar na revisão de regras que
geram má alocação de recursos. Porém, com frequência dobramos apostas
equivocadas, como na discussão de elevar o teto do MEI, enquanto se deveria
discutir a revisão desta política pública que beneficia pessoas em média mais
ricas do que trabalhadores com carteira.
Precisamos acelerar o passo e tropeçar
menos.
Verdade.
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