quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Martin Wolf* - O G20 é necessário, mas para que ele serve?

Valor Econômico

Transformar a escala e a natureza do financiamento para o desenvolvimento e o ambiente é essencial

Se o G20 não existisse, teríamos de inventá-lo. Alguns objetariam que o mundo está tão dividido que esse grupamento é impraticável. Mas esse fato simplesmente torna o G20, ou algo semelhante, ainda mais essencial: não é necessário conversar com pessoas com as quais já se concorda. Uma justificativa ainda mais forte para sua existência é a de que não podemos mais viver em bolsões isolados: a saúde do nosso planeta e da nossa economia depende da nossa cooperação. Num momento em que os desafios globais são mais prementes do que nunca, o mesmo ocorre com a necessidade de trabalhar num grupo desse gênero.

A pergunta, então, não é se precisamos do G20 ou não, e, sim, qual seria a melhor maneira de utilizá-lo. Como foi o comando do governo indiano sobre o grupo? Que lições deveríamos tirar para o seu futuro?

Compreensivelmente, o governo indiano usou o G20 como uma celebração da Índia e de seu crescente papel no mundo. Também teve êxito em conquistar aceitação à filiação plena da União Africana. Este último é, de fato, um passo na direção de uma maior legitimidade para o G20.

Uma questão mais importante é se o mundo ficou mais perto de solucionar alguns de seus maiores desafios. Seguem-se três preocupações óbvias.

A primeira delas é a divisão. A ausência de Vladimir Putin e Xi Jinping na reunião de cúpula em Nova Déli chama a atenção para o fato de vivermos em uma época de conflito. A existência de uma superpotência nuclear capaz de agir ao seu talante é uma enorme ameaça ao nosso futuro. Tão alarmante quanto é a aparente decisão do dirigente chinês de não se envolver diretamente com seus pares globais, a não ser em instituições dominadas pela China, como o Brics. A ausência dele, também, é mau presságio para a gestão do nosso futuro comum.

Não é necessário conversar com pessoas com as quais já se concorda. Não podemos mais viver em bolsões isolados. Num momento em que os desafios globais são mais prementes do que nunca, o mesmo ocorre com a necessidade de trabalhar num grupo desse gênero

A segunda é a sobrecarga. Como observei em maio, o comunicado da reunião do G20 em Londres, em abril de 2009, foi de pouco mais de 3 mil palavras. Concentrou-se, além disso, na estabilização do sistema financeiro e em salvar a economia mundial. A crise monopolizava o pensamento. É inevitável que o atual enfoque dos dirigentes mundiais seja mais prolixo. Mas será que todas as cerca de 13 mil palavras da declaração da cúpula de Déli eram necessárias? Como é que os avanços de uma agenda de crescimento tão tentacular poderão ser monitorados e avaliados? A resposta, a partir de esforços anteriores do G20, é que não poderão: boa parte dela vai definhar.

A terceira é a hipocrisia. Todos sabemos que os líderes não têm intenção de cumprir o que prometem. A declaração sustenta, por exemplo, que “reafirmamos nosso compromisso de tolerância zero para com a corrupção”. A realidade, no entanto, é que o G20 abarca alguns dos países mais corruptos do mundo. A declaração sustenta, também, que “continuamos comprometidos com a ampliação da participação feminina plena, igualitária, efetiva e significativa como tomadora de decisões para o enfrentamento dos desafios globais”. Mas é bom não esquecer que a Arábia Saudita é membro do grupo.

A hipocrisia, poder-se-ia argumentar, é a homenagem que o vício presta à virtude. Mas isso não representa grande consolo quando envolve até os problemas globais mais importantes de hoje - a elevação das temperaturas e a combinação de agravamento da pobreza com dívidas impossíveis de administrar em muitos países em desenvolvimento. O comunicado sustenta, por exemplo, que “reconhecemos a necessidade de elevar os investimentos globais a fim de cumprir as metas climáticas previstas no Acordo de Paris, e de ampliar a escala dos investimentos e financiamentos climáticos a partir de bilhões para trilhões de dólares globalmente, procedentes de todas as fontes”.

Mas isso quer dizer que eles vão fazer algo relevante nessa esfera? Afinal, já a própria sentença seguinte promete ampliar a escala “do financiamento, do desenvolvimento de capacidade e da transferência de tecnologia sob condições voluntárias e mutuamente pactuadas”. Os termos “voluntárias e mutuamente pactuadas” já sugerem que nada vai acontecer.

De longe, a contribuição mais importante da presidência indiana podem ainda ser os relatórios encomendados sobre o fortalecimento do financiamento para o desenvolvimento e o meio ambiente, formulados por um grupo de especialistas comandado por Lawrence Summers, da Universidade de Harvard, e por NK Singh, um destacado funcionário público indiano. O primeiro desses relatórios foi publicado no fim de junho.

A realidade que está por trás desses relatórios é a de que o mundo precisa aumentar enormemente seus investimentos se quiser alcançar suas metas de desenvolvimento e ambientais, como precisa. Uma parte gigantesca de todo o investimento novo tem de ser destinada a países em desenvolvimento. Mas a maioria deles não dispõe dos recursos internos, do “know-how” ou de nenhum dos dois fatores para alcançar o que é necessário. Além disso, não conseguem ter acesso ao capital externo na escala e sob as condições requeridas. Ao contrário, com a elevação dos juros nos principais mercados globais, seu acesso se deteriorou, e muitas passam por um quadro de profunda inadimplência.

Sabemos quais são as soluções. Há necessidade de concessão de financiamento oficial muito maior, sob várias formas. Boa parte dele tem de estimular fluxos privados consideravelmente maiores, via risco compartilhado. Isso, por sua vez, exigirá uma mescla de alívio da dívida significativo, orquestrado pelo FMI, fluxos muito maiores sob condições favorecidas destinados aos países mais pobres, capital próprio significativamente maior dos bancos de desenvolvimento multilaterais, notadamente o Banco Mundial, e relações de alavancagem mais elevadas nesses bancos também. Isso, por sua vez, exigirá reformas de governança, inclusive nas ações com direito a voto.

Esta agenda é radical, essencial e urgente. Para que seja alcançada num futuro relativamente próximo, tem de se tornar um foco dominante das diretrizes de política econômica global. A boa notícia é que as decisões dos países ocidentais e dos principais países emergentes poderão fazer com que isso aconteça. Mas eles têm de se concentrar no que é urgente. Têm de focar a atenção em transformar a escala e a natureza do financiamento voltado para o desenvolvimento e o meio ambiente. Palavras bonitas que não são acompanhadas por determinação para agir nada significam. (Tradução de Rachel Warszawski)

*Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times

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