O Globo
Efeitos colaterais de excessos fiscais
geram sensação de bem-estar no início, mas depois vem o gosto amargo, até pela
baixa qualidade do gasto público
Um padrão recorrente no Brasil é o descuido
com a política econômica em tempos de bonança, como se as boas condições fossem
permanentes e permitissem atender às muitas demandas por mais gastos e
benesses. Pior, muitas vezes as medidas têm efeito duradouro ou permanente,
constrangendo os orçamentos futuros.
O sistema político não ajuda, pois não há
praticamente incentivos para o Congresso frear a gastança. O custo político de
fazê-lo pode ser alto, enquanto o custo do erro, pela inflação teimosa e pelos
juros mais altos, cai no colo do presidente de plantão.
Em meio aos bons ventos na economia, no PIB e na inflação, caímos novamente em uma armadilha de leniência fiscal.
Algum aumento dos gastos públicos este ano
seria inevitável por conta do represamento artificial feito pelo governo
anterior, enquanto a proposta orçamentária de 2023 era infactível — a previsão
de 17,6% do PIB de despesa primária não era realista à luz da rigidez dos
gastos, a maioria deles previstos na Constituição, como os da Previdência.
Por exemplo, a contenção dos gastos com a
folha (caiu de 4,3% do PIB em 2018 para 3,4% em 2022), ainda que com algum
mérito, criou uma situação insustentável, pela defasagem dos vencimentos de
muitas categorias e pelo encolhimento do número de funcionários públicos (-40%
entre 2018-21, pela Rais) a comprometer o funcionamento de alguns órgãos.
No entanto, o governo esticou demais a
corda, produzindo uma alta preocupante dos gastos, especialmente em meio à
queda da receita tributária como proporção do PIB, após anos excepcionais,
quando a expressiva alta de preços de commodities inflava a arrecadação.
De janeiro a julho, as despesas primárias
atingiram 19,1% do PIB, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), ante
18,2% em 2022. Um importante fator de pressão é o impacto do reajuste do
salário mínimo sobre a Previdência e as várias políticas sociais, agora e nos
próximos anos.
Não foi decisão sábia resgatar sua fórmula
de reajuste pela inflação (do ano anterior) e pela variação do PIB real (de
dois anos antes). Em um país com grande desafio fiscal e produtividade do
trabalho quase estagnada, corre-se o risco de piorar o balanço entre inflação e
desemprego, com ambos caminhando na direção indesejada.
Estivesse o salário mínimo defasado em
termos reais, a decisão seria compreensível, mas não é o caso.
São muitas os anúncios de aumento de despesas
e de renúncias tributárias — por vezes, por decisão do Congresso. Exemplo
evidente foi o anúncio do Novo PAC, como já discutido neste espaço.
A própria elevação dos gastos contribui
para estimular a economia no curto prazo. Vide os números do PIB no segundo
trimestre, com crescimento do consumo do governo (+0,7% em relação ao trimestre
anterior) e das famílias (+0,9%), este último beneficiado pelo aumento do
salário mínimo e pelo robusto Bolsa Família (1,3% do PIB ante 0,34% no final do
Lula 2).
Enquanto isso, o investimento não reage, e
a culpa não é toda dos juros altos, nesse ambiente de ruídos e riscos de
retrocessos. A lista tem de tudo: política discricionária de preços da
Petrobras, mudanças de regras do jogo para a Eletrobras, incertezas quanto à
carga tributária futura, volta da contribuição sindical etc.
Os benefícios sobre o PIB no curto prazo
alimentam a crença de muitos de que o caminho está correto, como se não
houvesse custos e riscos adiante. O esforço se resumiria a não assustar os
investidores. Para isso, vale até discutir a antecipação de receitas do
pré-sal, como se isso compensasse a gastança.
Os efeitos colaterais de excessos fiscais
não se manifestam rapidamente. No início, geram sensação de bem-estar, mas
depois vem o gosto amargo, inclusive pela baixa qualidade do gasto público. Os
sinais começam pela inflação teimosa, pelo estímulo à demanda em um contexto de
reduzida ociosidade na economia (o nível atual de utilização da capacidade
instalada na indústria e nos serviços está acima do padrão) e por alimentar a
desconfiança dos investidores, que pressiona o dólar.
Um quadro de descontrole, como na gestão
Dilma, é improvável. Estão claros os limites para aumento da carga tributária,
contabilidade criativa e, em alguma medida, leniência do Congresso em um
contexto de maior concorrência na política. O quadro está mais para um Brasil
que pouco aprende e perde oportunidades.
Lendo e tentando aprender.
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