quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Fernando Exman - O dilema do prisioneiro aplicado no caso das joias

Valor Econômico

Segundo os estudiosos, o pior resultado individual ocorre quando um jogador torna-se cooperativo enquanto outro trai

Formulado na década de 1950 em meio à busca de modelos para entender o comportamento humano, o “dilema do prisioneiro” deixou as páginas dos livros na semana passada e pode alterar o rumo das investigações sobre as joias recebidas pelo Brasil durante o governo Jair Bolsonaro (PL).

Raridade vê-lo aplicado na prática. É justo, portanto, o apelido de “Superquinta” dado ao dia 31 de agosto.

Foi quando a Polícia Federal coletou, simultaneamente, os depoimentos do ex-presidente e de outras sete pessoas, entre elas a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro e assessores do casal. Alguns deles optaram por ficar em silêncio, mas já surgem rumores, aqui e ali, de que podem mudar de comportamento quando tiverem a oportunidade de retornar à PF.

Um suspeito ou réu pode ter a pena atenuada se confessar, colaborar ou delatar. É um aspecto prático que tende a ser levado em consideração em momentos como esse.

Já do ponto de vista conceitual, o “dilema do prisioneiro” é um problema estudado no âmbito da teoria dos jogos. Com ele, é possível prospectar um modelo de comportamento racional desenvolvido para maximizar ganhos - ou mitigar perdas -, diante de um conflito de interesses entre dois ou mais jogadores. No caso, prisioneiros.

Na teoria dos jogos, busca-se substituir cenários excessivamente hipotéticos por análises mais realistas, apoiadas em fenômenos econômicos e sociais. O comportamento é visto como uma opção feita dentro de um conjunto de estratégias possíveis. O resultado, por sua vez, depende das combinações decorrentes das escolhas feitas pelos outros participantes.

O “dilema do prisioneiro” surge de uma situação fictícia específica: dois suspeitos de assassinato são capturados pela polícia, que não tem evidências suficientes para comprovar o envolvimento deles no crime. A polícia é capaz, no entanto, de incriminá-los perante a Justiça por infrações menores. Porte ilegal de armas, por exemplo.

Os prisioneiros então são colocados em celas separadas, sem a possibilidade de se comunicarem entre si. E a cada um é oferecida a oportunidade de confessar.

Se nenhum declarar-se culpado, ambos serão condenados pela infração menor e receberão penas de um ano de prisão. Se os dois confessarem o assassinato, ambos serão condenados a uma pena intermediária de cinco anos. Porém, se um prisioneiro confessar e o outro não, ao primeiro será concedida imunidade. Já o prisioneiro que não confessou irá para a prisão por 20 anos.

O que cada prisioneiro deve fazer? Difícil responder.

Em tese, é melhor que nenhum confesse. Mas assumindo que não haverá “honra entre bandidos”, ou que existe a percepção entre eles que um está abandonando o outro, a tendência é que cada detento se preocupe em reduzir seu tempo na prisão. Como ambos estão incomunicáveis e não sabem o que se passa na sala ao lado, é bem provável que a tentação de confessar prevaleça na matriz de decisão de pelo menos um dos lados.

Pode ser tentador confessar. Ou trair. E como não há forma objetiva de influenciar a decisão do outro jogador, um dos atores pode concluir que estará melhor confessando. Por outro lado, como eles estão no mesmo barco, os envolvidos podem avaliar que confessar prejudica o bem comum.

Segundo os seus teóricos, esse “jogo” pode ser aplicado em qualquer cenário em que os participantes estejam numa situação não cooperativa. O pior resultado individual ocorre quando um jogador torna-se cooperativo enquanto outro trai. De qualquer forma, é possível concluir que não existe uma “solução certa”: por isso, aliás, que se trata de um “dilema”.

Na chamada “Superquinta”, oito pessoas foram intimadas a depor no inquérito que investiga a comercialização, no exterior, de joias que haviam sido recebidas de presente por Bolsonaro em viagens oficiais. Elas foram ouvidas, de forma simultânea, em salas separadas nas sedes da Polícia Federal em Brasília e São Paulo.

Bolsonaro e a ex-primeira-dama ficaram calados, assim como o ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da República e advogado Fabio Wajngarten. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, falou por mais de nove horas. Também prestaram depoimento o general Mauro Lourena Cid, pai de Mauro Cid, o advogado Frederick Wassef e os assessores do ex-presidente Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara.

Segundo o Valor publicou, Crivelatti também prestou um longo depoimento aos policiais federais. Wassef não permaneceu em silêncio, mas disse a jornalistas que não detalharia o conteúdo de sua fala. Argumentou que o inquérito é sigiloso.

Para autoridades do governo Lula, Mauro Cid demonstra clara disposição de colaborar. Ninguém passa tanto tempo prestando depoimento se não está falando para valer, comentou um ministro que acompanha os desdobramentos do caso.

De fato, a estratégia dos investigadores foi não permitir que os investigados conhecessem as perguntas feitas durante os depoimentos e soubessem as respostas uns dos outros, bem como o nível de colaboração dos demais. Agora, é esperar para ver se mais alguém decidirá contribuir com as autoridades.

 

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