domingo, 29 de outubro de 2023

Bernardo Mello Franco - Mãos ao alto, é um acordo!

O Globo

Ao demitir presidente da Caixa, Lula se rende a Lira e cede mais uma vez à chantagem do Centrão

Em setembro, Arthur Lira anunciou as condições para destravar a pauta econômica do governo. O chefão da Câmara havia acabado de emplacar o afilhado André Fufuca no Ministério do Esporte. Apesar disso, não estava satisfeito. Exigia a Caixa Econômica Federal “de porteira fechada”. “Esse foi o acordo”, informou, em entrevista à Folha de S.Paulo.

A cobrança pública irritou Lula, que pôs a troca em banho-maria. “Só eu tenho o direito de colocar, só eu tenho o direito de tirar”, reagiu. Lira segurou a língua, mas continuou a bloquear as votações na Câmara. Na quarta-feira, o deputado venceu o cabo de guerra. O presidente demitiu a presidente da Caixa, Rita Serrano, e entregou o comando do banco ao Centrão.

Ao se despedir, Serrano sugeriu que perdeu o cargo por ser mulher. “Espero deixar como legado a mensagem de que é preciso enfrentar a misoginia”, escreveu. Em quatro meses, ela foi a terceira integrante da cúpula do governo substituída por um homem indicado pelo grupo de Lira. Mas a discriminação de gênero não é o motivo principal das mudanças.

Ao rifar as auxiliares, Lula se curvou ao jogo bruto do pupilo de Eduardo Cunha. Rendeu-se à ameaça e à chantagem parlamentar. A divisão de poder faz parte da democracia, mas ninguém pode negociar com a faca no peito. Nessas condições, acordo político vira eufemismo para achaque.

Na sexta-feira, o presidente tentou dar ares de normalidade à barganha com o Centrão. “Não vejo nisso nenhum problema”, desconversou, em café da manhã com jornalistas. “Eles juntos têm mais de cem votos, e eu precisava desses votos para continuar a governar”, acrescentou, referindo-se ao bloco comandado por Lira.

A água e o asfalto

Na terça, Lula descreveu a seca na Amazônia como “uma demonstração de que a questão climática é mais séria”. “O planeta está se revoltando. O planeta está dizendo: ‘Não me destruam, porque sou capaz de destruir vocês antes’. E o ser humano precisa pensar nisso”, afirmou, em seu programa semanal de rádio.

A seca já afeta mais de 600 mil pessoas apenas no Amazonas. Dos 62 municípios do estado, 60 terminaram a semana em situação de emergência. O Rio Negro, que banha Manaus, vive a maior vazante em 121 anos de medição. A estiagem isola comunidades ribeirinhas, compromete a pesca e dificulta o acesso à água potável.

Em meio à crise climática, aliados do governo tentam liberar na marra o asfaltamento da BR-319. Um dos campeões do lobby é o senador Omar Aziz, que já chamou a ministra Marina Silva de “retrógrada” por apontar problemas ambientais no projeto.

Estudos mostram que a pavimentação de rodovias favorece a grilagem de terras e acelera o desmatamento ilegal da floresta. Na prática, liberar esse tipo de obra equivale a contratar novas secas — iguais ou piores que a atual.

Lula deveria sair em defesa da ministra, mesmo que isso o obrigue a contrariar aliados. Parece mais fácil apelar à consciência alheia e discursar sobre os humores do planeta.

 

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