domingo, 29 de outubro de 2023

Míriam Leitão - Governo Lula contrata risco

O Globo

Na semana que completa dez meses, o governo Lula entregou a Caixa ao Centrão e sentiu o peso da crise de segurança do Rio de Janeiro

Aos dez meses do terceiro governo Lula, ele entregou a Caixa Econômica para o Centrão, deu o primeiro passo para permitir ocupação política na Petrobras, recebeu respingos de um caso de espionagem criado no governo Bolsonaro e sente o peso da velha crise de segurança do Rio. Essa é a hora em que a administração deveria corrigir rotas e fazer escolhas para garantir o sucesso nos próximos três anos e dois meses deste mandato.

Aceitar a ocupação política das estatais é contratar riscos. Já houve tantos casos, em diversos governos, em que as indicações dos partidos resultaram em escândalos que é difícil imaginar que será diferente. A troca na Caixa teve ainda outro simbolismo. Mais uma demissão de mulher para dar o cargo a um homem. Lula explicou que precisa dos 100 votos deles. Precisa sim, mas é temerário entregar um banco tão simbólico e importante como esse.

Ao Centrão não bastou a presidência da Caixa Econômica Federal. Quer a vice-presidência, todas as diretorias, quer porteira fechada. E por quê? Pelos mesmos motivos de sempre, uso da instituição para atender a interesses particulares e para irrigar os redutos eleitorais. Os políticos e seus indicados chegam nos cargos protegidos pelo discurso de que o combate à corrupção é sinônimo de criminalização da política. Os erros cometidos em nome do combate à corrupção levaram ao outro extremo, o de estigmatizar as medidas anticorrupção, seja na governança das empresas, seja na ação dos órgãos de controle. Esse é o sentido do alerta da OCDE, no relatório da 4ª fase de avaliação sobre o cumprimento pelo Brasil da Convenção contra o Suborno. Esse definitivamente não é um caminho seguro.

Um evento que dominou parte da semana foi a revelação de que pessoas públicas foram espionadas pela Abin. O serviço israelense de monitoramento comprado no governo Temer teve seu uso desvirtuado por Bolsonaro na perseguição a pessoas identificadas como inimigas do governo. Isso inclui até um zeloso servidor público, como o chefe de fiscalização do Ibama, Hugo Loss. No governo anterior, Loss foi punido por ter sido bem-sucedido em diversas operações de combate ao crime ambiental no Vale do Javari, e em terras indígenas no Pará. Na época, foi exonerado, impedido por mais de um ano de trabalhar na Amazônia e, agora se sabe, foi monitorado pelo programa espião.

Se os crimes foram cometidos no período Bolsonaro, por que mesmo o governo Lula ficou na berlinda? Pelo erro de permitir que pessoas da confiança do mandato anterior permanecessem em postos-chaves. Foi o mesmo problema que levou ao constrangimento vivido pela leniência do GSI em relação ao governo passado. Depois de receber o poder, em 2003, das mãos do ex-presidente Fernando Henrique, naquela que foi a mais republicana das transições, o presidente Lula definiu o que recebia como “herança maldita”. Agora, quando a definição seria perfeita, ele várias vezes tomou decisões de convivência com pessoas, grupos e métodos que não são compatíveis com o seu projeto de governo. Radicalizou com quem poderia conviver, convive com quem deveria radicalizar.

No Rio, o governo Lula vai tateando para encontrar uma política que produza resultados concretos e que evite os erros das intervenções e das GLOs. A proposta de asfixia logística e financeira, adiantada para mim pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, é um bom caminho, mas exige novas medidas que devem ser anunciadas esta semana. Pelo menos, entendeu que ignorar o problema, e dizer que é atribuição do governo estadual, não é uma opção.

Há luzes acesas no painel. Falo de duas. A política em relação aos indígenas tem óbvios avanços, mas há um impasse numa das terras indígenas mais atacadas, a Apyterewa, dos Parakanã, em São Félix do Xingu, Pará. As pressões políticas são muitas. Dino vai receber os indígenas na próxima terça. Tomara que encontrem uma forma de manter a desintrusão. O governo não pode ceder às pressões dos políticos grileiros.

O INPE divulgou editais de um concurso para novos pesquisadores, depois de muitos anos sem contratar. Beleza. O problema é que não há vaga prevista justamente para a Coordenação Espacial da Amazônia do instituto. Um sinal constrangedor para um governo que diz que zerar o desmatamento até 2030 é prioridade. Há vários outros sinais que mostram a distância entre o que o governo diz que fará, e o que tem feito.

 

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