terça-feira, 24 de outubro de 2023

Carlos Andreazza - Estado de Sérgio Cabral permanente

O Globo

José Renato Torres estava a serviço do Tribunal de Contas do Município; de onde sairia para ser — por menos de três semanas — secretário de Polícia Civil. Começou prestigiado, pinçado pelo governador para trabalho de longo prazo. (Para o mesmo cargo, Cláudio Castro já selecionara delegado que seria preso, investigado por envolvimento com o jogo do bicho.)

A indicação de Torres foi apoiada pelo presidente da Alerj — presente à posse — e seus amorins. Não era a primeira opção dos bacellares, afinal admitido sob compromisso de partilhar as divisões da Polícia Civil entre apadrinhados dos projetos de Picciani. Havia um acordo. Que Torres não cumpriria. Sua cabeça ofertada pelo mesmo governador que o empossara convicto:

— José Renato, queria te dar as boas-vindas. Dizer que sua experiência, sua garra, seu viés ao mesmo tempo técnico, de policial, aliado à convivência que você teve com a corte de contas e, com certeza, com a política fazem com que você esteja completamente preparado para essa nova jornada.

O trânsito fluente do delegado admitido como elemento fundamental à escolha. O homem teria a qualidade da convivência “com a política”. Expressão da barbaridade — perversão de finalidade — de ainda existirem as secretarias de Polícia Civil e de Polícia Militar. Dois orçamentos. Duas gestões estratégicas expostas, sem anteparos, aos gostos do comércio de influências. Dobrada a estrutura de poder a ser disputada.

(São 30 as pastas de Castro. Um estado inchado e quebrado: aquele que, na propaganda pela reeleição, estaria pronto para enfrentar a queda de arrecadação decorrente do corte da alíquota do ICMS — e que hoje chora miséria para não pagar o que deve. O governador tendo surfado eleitoralmente o bem-estar causado pela queda artificial do preço dos combustíveis.)

Não teria como dar certo. E então Torres caiu. Pelos motivos errados. Deveria ter caído antes. Não por descumprir tratos políticos. Mas por não estar à altura do desafio. De todo perdidos — desprovidos, governador à frente, da mais mínima ideia sobre o que fazer — ante a pressão gerada pelas imagens de traficantes treinando guerrilha na Maré e pelo assassinato de médicos na praia da Barra.

(O Rio de Janeiro ora persegue o traficante Abelha — o mesmo que, em 2021, saiu do presídio pela porta da frente, cumprimentando o então secretário de Administração Penitenciária, com um alvará de soltura falso. Desnecessário dizer que esse secretário também fora escolhido por Castro.)

Havia razões de sobra — da ordem da incapacidade — para a demissão de Torres, uma vez que não se pode exonerar governador. Razões que se podem resumir nesta declaração:

— Eu acho até que, quando eles se comunicam, a gente conseguindo monitorar a conversa deles, também é importante para a investigação. Bloquear só, deixar eles isolados, às vezes vêm grandes informações nesses diálogos. Nós temos uma atividade de inteligência extraindo o melhor dessas conversas para que a gente possa orientar nossas operações e nossas prisões.

Torres via vantagens na ineficiência do bloqueio de sinal para celulares nos presídios, porque assim a “inteligência” poderia rastrear-mapear os planos dos chefões do tráfico; o que o estado não consegue fazer senão eventualmente, donde os criminosos presos terem mandado matar os médicos e, diante do engano, ordenado a morte dos que os haviam assassinado.

Não foi por isso que caiu. Mas por não ratear a secretaria a contento. E não será pela incapacidade de estabelecer a interdição absoluta de sinal para celular em presídios que cairá a secretária de Administração Penitenciária, gestora de um sistema que pretende aumentar o bloqueio à telefonia móvel no cárcere — como se a perseverança, em 2023, de uma obstrução que não total fosse aceitável. É. Ela continua. Cairá — e cairá logo, como cairá também o secretário de Polícia Militar — por falta de “convívio com a política”.

São incompetentes (generoso o cronista), incompetente-mor o que escolhe os colaboradores e os troca por critérios que não próprios ao imperativo da segurança pública. Sem surpresa. O governador sendo aquele que entregou os transportes — a Supervia! — a Washington Reis. Um dos maiores problemas do estado posto nas mãos de um problema.

Já há novo secretário de Polícia Civil, em função de quem, para que pudesse assumir, a Alerj atropelou ritos e aprovou puxadinho — obra-prima do oportunismo legislativo — sob medida. Marcus Amim (que não é mais comentarista de TV), avalizado pelos mesmos que endossavam Torres, vem sob as mesmas expectativas.

A mensagem também é a mesma: segurança pública não é prioridade. E, tendo o dinheiro acabado, o governador a depender ainda mais dos donos da Assembleia.

 

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