Folha de S. Paulo
Meu medo é que a lenta erosão de outros
Poderes pelo centrão gere semipresidencialismo com uma semiconstituição
Nesta semana, a Comissão de Constituição e
Justiça do Senado aprovou uma proposta
de emenda constitucional que limita as decisões monocráticas dos
ministros do STF e
altera as regras para pedidos de vista durante julgamentos da suprema corte.
O presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco, patrocinou esse ataque ao Supremo para garantir que seu
grupo político receba os votos dos senadores bolsonaristas na próxima eleição
para presidente da casa.
Mas não é só isso que está em jogo: há
congressistas que acreditam que o STF vem tomando decisões que deveriam ser do
Congresso.
Curiosamente, a ofensiva contra o STF prova que Alexandre de Moraes, quando combateu o golpe bolsonarista durante a campanha de 2022, atuava com a bênção não apenas dos outros membros do tribunal (que poderiam ter revertido suas decisões em plenário, mas não o fizeram), mas também do Congresso.
Afinal, o Congresso poderia ter feito o que
fez semana passada muito antes. Poderia perfeitamente ter proposto mudanças no STF
durante o governo Bolsonaro, limitando a margem de ação de Moraes.
Não o fez porque todos, repito, todos os
atores políticos importantes do Brasil sabiam que Bolsonaro pretendia destruir
a democracia. Por mais que isso irrite muitos congressistas, só a democracia
lhes paga salário.
Em outros termos, o Congresso
Nacional sancionou as decisões de Alexandre de Moraes contra o
golpismo, da primeira à última.
Acho até saudável que o Congresso, ou outras
instituições da República, desejem assumir para si os poderes que o STF usou
para defender a democracia. Teria sido melhor mesmo se o ex-procurador-geral da
República Augusto Aras tivesse
feito seu trabalho. Teria sido incomparavelmente melhor se o Congresso tivesse
aprovado o impeachment de
Bolsonaro, não só pelo golpismo, mas, sobretudo, pelo
assassinato de mais de 100 mil brasileiros durante a pandemia, crime
amplamente documentado pelos próprios congressistas na CPMI de 2021.
Mas, antes de defendermos que o STF devolva
poderes ao Congresso, precisamos perguntar: os congressistas já criaram coragem
para usá-los no caso de nova ameaça golpista? Na última vez, ficaram quietos em
troca de orçamento secreto e deixaram o trabalho para Alexandre de Moraes.
É o mesmo debate do
"semipresidencialismo", a proposta de oficializar e ampliar as
transferências de poder do presidente para o Congresso que ocorreram entre 2015
e 2022. Antes de descobrir a doutrina dos três Poderes na semana passada, o
Congresso passou sete anos tomando do Executivo poder sobre o gasto público.
O problema é que, nem no caso do poder que
tomou do Executivo, nem no caso do poder que pretende tomar do Judiciário, o
Congresso parece disposto a chamar para si as correspondentes
responsabilidades.
Se o Congresso quiser mais poder sobre o
gasto público, que instaure logo o parlamentarismo e leve a culpa se a economia
for mal. Se o Congresso quer limitar os poderes do STF, que assuma ele mesmo a
defesa da democracia, começando por expulsar de seu meio parlamentares que
apoiaram o golpe. São algumas dezenas.
Se o Congresso quer dividir com o STF a
tarefa de defender a democracia, acho ótimo. Meu medo é que a lenta erosão dos
outros Poderes pelo centrão que controla o Congresso gere um
semipresidencialismo com uma semiconstituição.
Interessante, faz pensar.
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