sexta-feira, 6 de outubro de 2023

César Felício - O que pode explicar o cerco ao Judiciário

Valor Econômico

Lira e seu grupo político estão insatisfeitos com o governo, que não honrou acordos de entregas de cargos

“Backlash” é um termo usado em ciência política para descrever um movimento forte de reação a alguma inovação social ou legal. Por sua própria natureza, é um movimento conservador. O Brasil vive neste momento um “backlash” que se traduz em uma espécie de cerco ao Supremo Tribunal Federal.

Na reta final da gestão da ministra Rosa Weber à frente da Corte, o Supremo autorizou a volta da contribuição assistencial aos sindicatos, vetou o marco temporal das terras indígenas, avançou para liberalizar o consumo de drogas e tirou da gaveta o julgamento de uma ação que pode legalizar o aborto. A primeira ação descrita mobilizou classes empresariais contra o STF, a segunda radicalizou os ruralistas, a terceira foi criticada pela chamada “bancada da bala” no Congresso e a quarta escandalizou evangélicos e católicos conservadores.

Toda essa ampla frente deságua em um rio já abastecido pelo bolsonarismo, acuado desde os atos golpistas de 8 de janeiro e da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. A reação se fez. Um circuito se fechou, surgiu a ignição.

É nesse contexto que precisa ser compreendido o bom momento da oposição no Senado e na Câmara dos Deputados, com obstrução da pauta e avanços na agenda conservadora.

Na terça-feira, para citar um único exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, em 42 segundos, uma PEC que proíbe decisões monocráticas do STF. O cabresto já está bem ajustado para tolher as ações mais esquerdistas do Executivo, e agora busca-se no Legislativo cabrestear o Judiciário.

Em um encontro das frentes conservadoras com jornalistas, o coordenador da bancada ruralista, deputado Pedro Lupion (PP-PR), disse que vê um divisor de águas no julgamento do Supremo que acabou com o marco temporal. “Há um Senado antes e outro depois”, comentou. Colabora para a mudança, segundo ele, o cálculo eleitoral. Os senadores já estão de olho nas eleições de 2026, necessitam do voto majoritário e as causas ditas progressistas são de nichos.

O contencioso entre os ruralistas e o Judiciário não se encerrou com a votação do marco temporal. Outros pontos na agenda preocupam. Há, por exemplo, os embargos de declaração sobre o Código Florestal, que podem impedir que empresários rurais que desmatam em determinado lugar façam compensação em outro. Como o novo presidente do STF, Luís Roberto Barroso fez sinalizações ao agronegócio em seu discurso de posse, há uma expectativa de que o magistrado se transforme em uma ponte para o diálogo com o setor.

Em relação ao bolsonarismo puro e duro, hoje sem referencial para a disputa de 2026, qualquer debilitação do Judiciário é uma oportunidade a ser aproveitada. Não por outro motivo, o presidente do PL mineiro, deputado Domingos Sávio (MG), resgatou do esquecimento uma PEC que permite a revisão de decisões judiciais pelo Congresso, mesmo as transitadas em julgado. Bastaria que Câmara e Senado, por maioria de três quintos, entendessem que o Judiciário exorbitou suas funções. Sávio recepcionou Bolsonaro nessa quinta-feira em Belo Horizonte

Na Câmara, o ponto fraco das frentes conservadoras é sua dependência em relação ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), chamado internamente de “primeiro-ministro”, tal a concentração de poder que o parlamentar passou a ter. Lira e seu grupo político estão insatisfeitos com o governo, que não honrou acordos de entregas de cargos na Funasa e na Caixa Econômica Federal. Nada que seja irreversível, portanto. Os coordenadores das frentes que organizam a obstrução admitem que podem estar sendo usados para aumentar o cacife de Lira e consideram que isso é do jogo da política.

A pauta que as frentes conservadoras tentam impulsionar na Casa é a da PEC 32, a da reforma administrativa. O texto foi proposto no governo Bolsonaro e depois abandonado por ele mesmo nos desvãos do Congresso. Lira a relançou, mas não colocou em pauta o tema. Ao colocarem a PEC 32 entre as reivindicações para suspender a obstrução, os conservadores querem criar ambiente para que a proposta seja pautada.

Fundo Eleitoral

Quando o governo enviou uma previsão de R$ 939,2 milhões para o fundo eleitoral na proposta orçamentária, deixou claro que transferia para as lideranças no Congresso a autonomia para fixar o novo valor. Na última eleição, ano passado, foram consumidos R$ 4,968 bilhões, e na ocasião o dinheiro foi repartido para 28,7 mil candidatos. Uma eleição municipal, como será a de 2024, envolve muito mais gente. Na última disputa dessa natureza, em 2020, houve 517 mil postulantes. A questão começa a ser comentada por lideranças governistas no Congresso. Fala-se em elevar os gastos a R$ 7 bilhões, o que seria um novo recorde em recursos públicos para as eleições.

O governo federal colocou uma trava para esta rubrica no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Na proposta do governo, a despesa com fundo eleitoral terá como limite máximo “o correspondente autorizado no exercício de 2022”. Caso se queira ir além desse teto, o excedente será bancado com dinheiro destinado para emendas parlamentares.

 

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