Folha de S. Paulo
Só resta ao governo apaziguar relações com os
heróis da sobrevivência democrática
Generais não cometem crimes. Nem contra
humanos, nem contra a humanidade. Muito menos contra não humanos e o ambiente
natural. Nem crimes contra criações filosóficas como o bem público.
Militares não praticam corrupção. Não
enriquecem ilicitamente. Não estimulam filhas a ficarem solteiras para acumular
aposentadorias vitalícias. Nem falseiam sua própria morte para que esposa
receba pensão. Nem usufruem de apartamentos funcionais ilegalmente.
Militares não erram, não traficam, não torturam. Não mentem e dispensam apuração da verdade. Substituem verdade pela honestidade. Se dizem que não mataram, assunto encerrado. Não há mortos e desaparecidos. Não seriam anistiados se não por honra ao mérito. Não teriam inocentado ex-capitão por planejar atentado se ele não tivesse vocação para a Presidência.
Missão dada, missão cumprida. Na proteção
da Amazônia, no
controle de fronteiras, no Haiti, no combate às milícias e ao crime organizado
do Rio de Janeiro. Não sufocam por falta de oxigênio. Não boicotam vacina nem
deixam de vacinar os seus.
Não são incompetentes. Têm história de serviços prestados à inteligência.
Generais não atentam contra o Estado democrático. Não fabricam desinformação
para questionar urnas eleitorais. Fazem revolução, não golpe. Organizam
"movimento" para salvar a nação do centrão e do comunismo
constitucionalizado. Não tuítam bobagem. Apenas alertam quando o tribunal deve
se conter.
Militares não rejeitam controle civil. Mas a política democrática ainda não tem
estatura moral para lhes colocar limites funcionais, orçamentários ou éticos.
Não distribuem honrarias gratuitas a autoridades que lhes possam incomodar
porque as querem capturar. Tentam ensinar virtude a degenerados.
Não impedem que o Ministério da Defesa contrate funcionários civis para funções
centrais da política de defesa. Não impedem que as tarefas de planejamento e
orçamento sejam desempenhadas por civis, como nas mais respeitadas Forças
Armadas no mundo. Apenas esperam o nascimento de civis
brasileiros confiáveis e capazes.
Militares têm relação de respeito à lei, mas essa lei é outra. Não a lei dos
homens, nem mesmo a lei de Deus. Têm relação de respeito à lei que criam para
si mesmos. Virtuosos, são autorizados a exercer a autolegalidade. Podem ler
a Constituição de
1988 por sua própria gramática. Essa sapiência jurídica escapa a juristas
civis.
Militares não contratam empresas de parentes.
Quando dispensam licitação para contratar empresas de militares da reserva, é
pelo renome, não pelo nome. Combatem o conflito de interesses. Não cultivam a
covardia, mas a coragem. Não apreciam o sigilo. A transparência, porém, precisa
de maturidade.
Não espionam. Não classificam seus críticos
como maus brasileiros que se deve vigiar. Não definem patriota pela estupidez
servil e amoral de qualquer cidadão ao poder, pois isso seria contraditório com
o conceito clássico de patriotismo.
Não ofereceram serviços de camping,
alimentação e animação ideológica na fase preparatória de 8 de janeiro de
2023. Nem rota de fuga e proteção de gente querida contra prisão em flagrante
pela polícia naquela noite. Muito menos participaram dos atos de maior
depredação de prédio público da história brasileira.
Não fossem os generais, não teríamos
democracia.
Essas acusações, presentes em documentações desde a década de 1970, que
remontam ao livro "Brasil: Nunca Mais", a denúncias perante
organismos internacionais, a reportagens e teses acadêmicas, a julgamentos de
cortes internacionais e casos na Justiça brasileira, e chegam ao relatório
da CPI da Covid e
ao da CPI do 8 de
janeiro, são "prova cabal de perseguição política", como
diria o senador Mourão.
Por essa razão, a decisão do governo federal de renunciar a qualquer debate
sobre reformas institucionais das Forças Armadas, de apaziguar a relação com
generais irritados com o desprestígio e risco penal, e de ensaiar nova
participação militar na segurança pública do Rio de Janeiro, traz alento para
um futuro democrático e seguro.
Com o perdão pelo otimismo que nossa história
militar recomenda. Nunca na base da força, mas da persuasão.
Hubner descreve todo modus operandi de uma tradição anti republicana bananeira desde o golpe militar de 1889.
ResponderExcluirTexto magnífico! O filósofo BOLSONARISTA Denis Rosenfield assinaria pelo menos metade das frases deste texto, mas sem perceber a ironia de Hubner e acreditando piamente no sentido literal de todas estas frases.
ResponderExcluirGrande colunista.
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