quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Vinicius Torres Freire - Senado quer limitar carga de imposto sobre consumo, mas Congresso libera gasto

Folha de S. Paulo

Prévia do texto da mudança nos impostos amplia favores para empresas e dificulta gestão das contas públicas

Na versão do Senado para a Reforma Tributária, há um limite para a carga de impostos sobre o consumo de bens e serviços. Não é boa ideia, piorada ainda pelo cálculo desse teto de impostos, baseado na média de receita de 2012 a 2021.

Nesses anos, houve quedas na arrecadação por causa de anos de recessões medonhas (2015, 2016, 2020) e crescimento pífio do PIB. O cálculo prejudica em particular o governo federal.

Não é o único e talvez não venha a ser nem o maior problema da reforma do Senado. Mas é novidade ruim. De ruindades velhas ampliadas, temos mais regimes especiais. Quer dizer, redução de alíquota de impostos para certo tipo de empresa ou setor, o que eleva a alíquota do imposto médio geral. Por exemplo, benefícios para empresas ricas de advogados, médicos e outros profissionais. Qual o motivo da distinção?

Até esta quarta-feira (25), havia 693 emendas à reforma da Câmara. Muitas não foram aceitas no relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Mas o jogo ainda está rolando. A coisa pode ficar pior, com mais favores.

Talvez alguém considere boa ideia impor um teto da carga sobre o consumo. Pode ser, desde que, para compensar, seja viável aumentar a arrecadação de outros impostos, em particular sobre renda.

Se assim não for, a receita total dos governos pode ser insuficiente. Haveria ainda mais déficit. O problema seria contido se houver um teto de gastos. Hum.

Quase ninguém quer um teto de gastos. Deu-se cabo do teto de Michel Temer, de fato inviável. Luiz Inácio Lula da Silva aprovou no Congresso o teto móvel do dito "arcabouço fiscal", mas é incerto quando a carga de gastos (em relação ao PIB) vai cair, o que depende de anos de bom crescimento econômico.

A maioria do Congresso não quer aumento de outros impostos. Quando pode, aumenta despesas ou reduz a receita do governo, como o está fazendo por estes dias e na própria reforma (com o aumento do Fundo Regional de Desenvolvimento, na conta federal).

O limite de impostos federais que serão fundidos na CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) seria de 5% do PIB (meio ponto percentual abaixo da média de 2010-2014). Trata-se da média da carga de PIS/Pasep, Cofins e IPI de 2012 a 2021, como prevê o relatório do Senado. Nessa conta falta o imposto seletivo (sobre bens daninhos), do qual nada se sabe.

A carga do novo imposto estadual e municipal sobre bens e serviços, IBS, seria de 7,74% do PIB (média do ICMS e do ISS). No total, 12,74% do PIB, pois. Essa aritmética é baseada na estimativa de carga tributária da Secretaria do Tesouro Nacional.

Um objetivo da Reforma Tributária é que ela seja neutra. Isto é, que não redunde de início em aumento da carga de impostos. Tudo bem. Em termos.

Mas é preciso fazer um cálculo razoável desse limite inicial da carga tributária sobre consumo. Depois, a carga pode aumentar ou diminuir, a depender dos ritmos dos diversos setores da economia. Eventuais ajustes devem ser feitos por governo e Congresso, de acordo com o contexto. Engessar o futuro é má ideia. De resto, dado o limite geral, se a carga federal de impostos sobre consumo aumentar, a de estados e cidades vai ter de cair (ou vice-versa)?

O problema não vai aparecer logo. A primeira medida de carga ocorreria em 2027 e 2028; o ajuste começaria em 2030. Parece distante, mas assuntos como tributação ficam parados por décadas. Por falar nisso, o tempo de implementação da reforma é ainda desesperadoramente longo.

De resto, as limitações de impostos sobre consumo vão influenciar também a receita a ser projetada na reforma do imposto de renda —ao menos esperamos que venha tal mudança em um tipo de tributação especialmente iníquo.

 

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