sábado, 14 de outubro de 2023

Demétrio Magnoli - Israel, 'o judeu das nações'

Folha de S. Paulo

Condenação de Netanyahu e defesa de palestinos não devem se confundir com negação dos direitos nacionais israelenses

"Como firme defensor dos direitos palestinos e defensor de uma solução por meios pacíficos, fiquei muito encorajado com as palavras finais do autor: ‘o Hamas pode desempenhar um papel central na restauração dos direitos palestinos’." A passagem foi escrita por Celso Amorim, na apresentação de um livro sobre o Hamas de autoria de Daud Abdullah publicado no Brasil em março. A referência de Amorim à "solução por meios pacíficos" não passa de disfarce ou autoengano: Abdullah é, há mais de uma década, um notório propagandista do Hamas e da luta armada contra Israel.

No 7 de outubro, dia da infâmia, militantes do Hamas desfilaram uma refém israelense nua pelas ruas de Gaza, depois de exterminar a sangue-frio centenas de civis. No domingo, 8, em Nova York, 5 mil manifestantes de esquerda regozijaram-se com os bárbaros atentados. Amorim não estava –e não estaria– na Times Square. Contudo, como tantos, na sequência de uma ritual condenação da carnificina, apressou-se em mencionar a ocupação israelense, sugerindo uma motivação justa para a barbárie.

A conexão entre a ocupação e o terror é, além de imoral, falsa: o Hamas não combate a ocupação da Cisjordânia, de Gaza ou de Jerusalém Leste, mas a existência do Estado de Israel. É essa posição, predominante entre setores da esquerda, que funciona como álibi preferido do governo Netanyahu para a sabotagem perene de negociações com os palestinos.

Dois anos atrás, diversos deputados do PT, do PSOL e do PC do B assinaram um manifesto em defesa do Hamas sob o lema de que "resistência não é terrorismo" (shorturl.at/lqJP6). É por essa e outras que, na sua nota de repúdio aos atentados, Lula não mencionou a palavra Hamas. Boulos seguiu, inicialmente, a mesma linha ambígua, até corrigir-se sob pressão eleitoral. Tinha razão o socialista alemão August Bebel ao qualificar, no final do século 19, o antissemitismo como "o socialismo dos idiotas".

A deputada americana Alexandria Ocasio-Cortez, ícone da esquerda do Partido Democrata, teve o cuidado de apontar a imoralidade da manifestação da Times Square. Entretanto, sua nota de repúdio ao terror do Hamas encerra-se com um chamado ao "cessar-fogo imediato". Não por acaso, o governo brasileiro adotou a mesma posição, em declaração do chanceler Mauro Vieira, na terça, 10.

Trata-se de uma forma sofisticada de exercício da idiotia: exigir de Israel a renúncia à ação militar enquanto as estruturas terroristas estão intactas e conservam cerca de 150 reféns equivale a negar-lhe o direito à autodefesa. Nenhuma nação faria isso –mas o antissemitismo enxerga em Israel "o judeu das nações", aplicando-lhe critérios excepcionais.

A prolongada ocupação dos territórios palestinos envenenou a vida política israelense. Do solo da ocupação, nasceu o governo de Netanyahu, pontilhado de extremistas e supremacistas judaicos. A condenação desse governo e a defesa dos direitos nacionais palestinos não devem, porém, confundir-se com a negação dos direitos nacionais israelenses. Os amigos do Hamas, em Nova York ou aqui, são mãos simbólicas que ajudam a seviciar a jovem refém exibida em Gaza.

Os EUA chamaram Israel a proceder segundo as regras de guerra. A União Europeia conclamou o governo israelense a circunscrever sua ação militar aos limites do direito humanitário internacional. A obrigação política e o direito legal de assestar golpes fatais no Hamas não conferem um passaporte para, deliberadamente, exterminar inocentes, promover bombardeios indiscriminados ou isolar por completo os 2,3 milhões de palestinos de Gaza.

Olho por olho é inaceitável: Israel não tem o direito de guiar-se pelo compasso facínora do Hamas. Infelizmente, ao piscar para os terroristas, o governo Lula e os deputados idiotas da esquerda brasileira perderam a autoridade moral para subscrever tal advertência.

 

4 comentários:

  1. Não podemos tomar partido,sofrimento é sofrimento.

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  2. Matar mais de 700 crianças palestinas é direito de defesa de Israel?

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  3. O colunista MENTE quando escreve "Os EUA chamaram Israel a proceder segundo as regras de guerra." O governo dos EUA enviou seu maior porta-aviões (com quase 100 aeronaves) e um segundo já está a caminho, e garantiu que dará a Israel todo o arsenal de armas e munições que os israelenses pedirem! Não houve uma palavra de restrição do governo dos EUA às mais de 750 crianças palestinas assassinadas e às mais de 2.500 feridas nos bombardeios recentes.

    O colunista MENTE quando escreve "A União Europeia conclamou o governo israelense a circunscrever sua ação militar aos limites do direito humanitário internacional." Todos os governos nacionais e a comandante da União Europeia têm sido unânimes em apoiar os bombardeios israelenses à Faixa de Gaza e nada criticaram quanto à morte das centenas de crianças palestinas ASSASSINADAS por Israel nos últimos dias.

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