O Globo
Nossa transição energética depende da
significativa inclusão da fonte nuclear
Na ONU, Lula apresentou o Brasil como
“vanguarda da transição energética”, pois “87% da nossa energia elétrica
provém de fontes limpas e renováveis”, e informou que “a geração de energia
solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel cresce a cada ano”. Segundo o
programa do governo, atingiríamos uma matriz de baixo carbono sem contribuição
significativa da fonte nuclear. O tabu dos verdes, aqui também, sabota a
transição energética.
Globalmente, a equação de substituição extensiva dos combustíveis fósseis não fecha sem a contribuição de usinas nucleares. Duas décadas atrás, James Lovelock, um dos fundadores teóricos do ambientalismo contemporâneo, tentou convencer o movimento verde a abraçar a energia gerada pela fissão nuclear. Seus argumentos naufragaram no tsunami que provocou o acidente de Fukushima, em 2011.
A capacidade de geração nuclear dos países
ricos declinou em 12 gigawatts (GW) na década seguinte ao acidente. Secaram os
investimentos em novas usinas, e centrais antigas foram desligadas. Sob
influência eleitoral do Partido Verde, a Alemanha tomou a decisão radical de
abandonar seu programa nuclear — e aprofundar ainda mais sua dependência
energética do gás russo.
Só ocorreram três acidentes significativos
nos 70 anos de geração nuclear: Three Mile Island (EUA, 1979), Chernobyl (URSS,
1986) e Fukushima. Nos três casos, erros evitáveis de projeto provocaram os
desastres. A poluição emanada de usinas térmicas convencionais mata cerca de
500 mil pessoas por ano. Só o acidente de Chernobyl deixou vítimas fatais: 31
diretas e vários milhares, por câncer, ao longo dos anos. Marina Silva,
ministra do Meio Ambiente, sustenta sua oposição à fonte nuclear na questão da
deposição de lixo radioativo, talvez ignorando que todos os rejeitos acumulados
em 60 anos nos Estados Unidos caberiam
no espaço de um hipermercado.
A França não caiu
na armadilha alemã de renúncia às termonucleares. A fonte gera 42% do consumo
energético do país, ante 6% na Alemanha. O resultado é que suas emissões anuais
por milhão de habitantes são de 4,25 Mt, ante 7,50 Mt na Alemanha. O tabu do
movimento verde sabota a transição energética alemã.
A China também não
embarcou na canoa furada de Fukushima. Entre 2011 e 2020, a potência asiática
adicionou 4 GW de capacidade nuclear, 57% do total adicionado globalmente. O
cálculo chinês está correto: usinas termonucleares são indispensáveis para,
junto às fontes hídrica, solar e eólica, substituir em larga escala a queima de
carvão, petróleo e gás.
Os verdes seguem presos ao tabu histórico,
mas o trauma do acidente japonês vai ficando para trás. Daqui até 2050, o mundo
perderá 40 GW de capacidade nuclear, devido ao descomissionamento obrigatório
ou voluntário de centrais antigas. A crise climática não oferece tempo para
substituir tudo isso por outras fontes limpas. A urgência imposta pelas
mudanças no clima soma-se ao imperativo geopolítico da segurança energética,
que solicita a redução da dependência de combustíveis importados. Daí, a forte
retomada de investimentos na fonte nuclear.
No cenário de emissões líquidas zero em 2050
elaborado pela Agência Internacional de Energia, a geração nuclear teria de
saltar dos atuais 413 GW para 812 GW. Os investimentos previstos nas próximas
décadas concentram-se, porém, em China, Índia, Rússia, França
e Coreia
do Sul. A França planeja inaugurar, em 2035, o primeiro de seis novos
reatores, enquanto os Estados Unidos aprovaram créditos de transição energética
para centrais nucleares. A Índia inicia a construção de dez centrais, que
produzirão um total de 9 GW. Seis usarão tecnologia francesa, cuja segurança é
comprovada por uma tradição de 60 anos sem acidentes.
O Brasil não aparece nessa paisagem. Contudo,
diante de um reduzido potencial hidrelétrico remanescente, nossa transição
energética depende da significativa inclusão da fonte nuclear na matriz
energética. O Acordo Mercosul-União Europeia facilitaria a cooperação
tecnológica com a França na deflagração de um novo programa nuclear. A pedra no
meio do caminho é o tabu ideológico verde.
Perfeito
ResponderExcluirMagnoli é um analfabeto energético. Com novos equipamentos eólicos e solares cada vez mais eficientes e baratos, é evidente que o Brasil não precisa investir em mais energia nuclear, que pode ser um recurso razoável ou até necessário em países temperados ou com territórios limitados (como Europa), mas obviamente desnecessário num país continental e tropical como o Brasil. O colunista escreve sobre tudo, mas frequentemente tropeça no seu desconhecimento, já que seu maior objetivo é provocar, e não informar com precisão. Quem acredita piamente neste colunista está sendo mal informado!
ResponderExcluir■Este texto do Demétrio Magnoli coloca para pensar. E muito! Os textos de Demétrio Magnoli quase sempre provocam esta obrigação de pensar no que ele se baseia e reflete.
ResponderExcluir■Eu detesto energia nuclear! Só de pensar em energia nuclear eu estremeço.
▪Mas eu também detesto ter que ir a dentista e só de pensar em ir eu estremeço. Mas vou!
■Detestando ir a dentista, mas indo, porque racionalmente eu não posso evitar ir a dentista ; como eu vou fazer se a razão me disser que devido à velocidade em como o desequilíbrio climático está ameaçando a vida neste planeta isso exige que eu aceite que a energia nuclear seja parte da solução de transição para descartar o uso de petróleo e carvão e migrar para fontes mais sustentáveis e com menos riscos, por não termos condições de usar fontes menos arriscadas com a urgência necessárias e que por isso teremos que primeiro aumentar o uso de energia nuclear antes de podermos descartá-la também?
A reflexão de Magnoli que eu li neste artigo teve este enfoque, de que um aumento do uso de energia nuclear seria uma necessidade, mas o uso seria apenas transitório, para dar tempo de mitigar as consequências mais arriscadas que é o uso de energia fóssil.
Eu detesto energia nuclear e estremeço só de pensar nela, mas se a razão disser que a transição energética terá que passar por ela, terei que controlar essa aversão que eu tenho a energia nuclear, do mesmo modo que controlo a aversão a ir à dentista.
Sem comentário.
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