Folha de S. Paulo
Enquanto os jogadores de hoje
têm teclados esculpidos em alabastro, o brasileiro médio continua desdentado
Em busca de material sobre o futebol de outros tempos, descubro números
de 1958 da revista Manchete Esportiva, sobre a preparação da seleção brasileira
para a Copa do Mundo daquele ano, na Suécia. E vejo as reportagens sobre os
exames dentários dos jogadores, ordenados pela CBF, então CBD. Aquilo era uma
novidade. Formou-se uma legião de dentistas, e os 33 convocados iniciais, um a
um, com ou sem medo, sentaram-se na cadeira e abriram a boca.
Foi um terror: em duas semanas, os dentistas tiveram de meter a broca em 470 dentes, quase 15 por jogador, e fazer 32 extrações —Oreco, lateral do Corinthians, o recordista, com sete.
Era este o estado dentário médio dos jogadores no Brasil. Craques da
seleção, ídolos de seus times e a maioria com menos de 25 anos, saíam em close
nas capas de revista com espetaculares falhas dentárias —como Vavá, artilheiro do Vasco, Telê, motor do
Fluminense, e Garrincha, que você sabe quem foi—, e ninguém
via nada demais nisso .
Era um reflexo do estado dentário médio da população, assim como do
salário médio dessa mesma população. Estávamos longe das grandes fortunas no
futebol, e muitos jogadores, mesmo os bem pagos, tinham de fazer bicos por
fora. Pinheiro, capitão do Fluminense, era corretor de imóveis, passava o dia
ralando no asfalto; Oswaldo Baliza, goleiro do Botafogo, era caixeiro de
armazém; Bellini, senhor da
grande área do Vasco e da seleção, vendia sapatos em Copacabana, em sociedade
com Fernando, goleiro do Flamengo.
As coisas mudaram. Os jogadores de hoje, mesmo da Série B, ostentam
teclados esculpidos em alabastro. E a razão é simples: por maior que ainda seja
a desigualdade no futebol, sua média salarial ficou muito maior que a do
brasileiro. E isso se reflete nos dentes. Os cracões agora podem se orgulhar de
suas bocas de cristal, mas o grosso dos brasileiros, que não vê a cor da bola,
continua desdentado.
A juventude de hoje,mesmo a pobre,exibe uma dentição que a minha geração nem em sonho podia ter.
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