O Estado de S. Paulo
Na crise entre poderes, todos sobrevivem. Em tiroteios reais, quantos mais vão morrer?
O nosso Brasil, tão varonil, vive duas
guerras simultâneas. Uma, política, cheia de malícia, de Senado e Câmara contra
o Supremo, Senado contra a Câmara, o Executivo fugindo das balas perdidas.
Outra, sangrenta, que atinge crianças, famílias inteiras e médicos tomando cerveja na praia do Rio de Janeiro.
Na de Brasília, é “tudo junto, tudo
misturado”, como diz um ministro do Supremo. No Congresso, uns reagem à
condenação dos terroristas do 8/1, outros às pautas liberais e quem manda se
aproveita para atrair todos eles. Detalhe: os dois projetos contra o Supremo
foram aprovados rapidinho, mesmo o Senado todo sabendo que ambos vão parar no
próprio Supremo e, portanto, não vão dar em nada. Ou seja, foi birra, recado.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou em 42 segundos (42 segundos!) uma PEC que altera o regimento interno do Supremo sobre decisões monocráticas e pedidos de vista – já modificados, aliás, pela própria corte. Pode fazer sentido no mérito, mas é só implicância. Se for até o fim, é claro que vai ser julgado inconstitucional na corte, pela cláusula pétrea da independência dos poderes. Ponto.
O marco temporal das reservas indígenas foi
votado no Senado dias depois do julgamento contrário no STF. Numa tarde, passou
pela comissão, ganhou urgência e foi aprovado no plenário. O Supremo foi para
um lado, o Senado, para outro. Se o presidente Lula sancionar o projeto do
Congresso, o Supremo também vai derrubar. Ponto.
E vem por aí o projeto que dá poder ao
Legislativo para derrubar decisões não unânimes de uma corte onde qualquer
unanimidade é impossível com o ministro Nunes Marques. Curioso é o presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco, liderar a rebelião contra o Supremo. Por estar
isolado em Minas? Sob o cabresto do senador Davi Alcolumbre? Por ter sido
preterido para a corte?
O novo presidente do STF, Luís Roberto
Barroso, é da paz, mas “quando dois não querem, dois não brigam” e quando ninguém
quer a paz, não há paz. Pacheco, Alcolumbre, Arthur Lira e Centrão usam a pauta
liberal do Supremo para conservadores e a extrema direita do Congresso.
Lembrando que o Brasil é, majoritariamente, contra a descriminalização do
aborto e do porte de pequenas quantidades de maconha, por exemplo.
O que o Brasil não aguenta mais são episódios
como o assassinato dos médicos no Rio, que remete ao de Marielle e Anderson, e
a chacina contra uma família de ciganos na Bahia, campeã em mortes criminosas.
E o pacote contra o crime do ministro da Justiça, Flávio Dino, foi feito às
pressas, para inglês ver. Assim, Congresso e governo federal, com
projetos e planos que não dão em nada, agem como “a montanha que pariu um
rato”. Na crise entre poderes, todos sobrevivem. Em tiroteios reais, quantos
mais vão morrer?
''Por engano,vingança ou cortesia,tava lá morto e posto um desgarrado,onze tiros fizeram a avaria e o morto já tava conformado''... Fátima Guedes.
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