Folha de S. Paulo
Mais do que 'recordes do dólar', país se
prepara para a explosão que virá depois da eleição
Em algumas das tantas variedades de taxa
de câmbio na Argentina,
o dólar baixou
de preço nesta quinta-feira (5). Na quarta-feira (4), o dólar paralelo
("blue") batera "recorde" ou assim diziam os títulos das
notícias. Não importa muito e talvez nem seja bem verdade.
Histórias miúdas ou enormidades destes dias
mostram que o buraco argentino é bem mais para baixo e descendo. Explosão
maior do dólar, ou de muito mais, vai vir depois da eleição, com ou sem um
plano de estabilização econômica.
Por falar em motivos miúdos, nesta quinta-feira teve batida da Receita Federal deles, da Alfândega e da Polícia Federal em bancos e financeiras, entre outros, acusados de facilitar maracutaias de remessa ilegal de dólares para o exterior. Empresas são acusadas de fazer importações falsas a fim de dar o fora com os dólares (no caso, US$ 400 milhões).
Com as batidas, o mercado paralelo quase
parou. Sem mercado, não tem recorde (ou baixa). O governo disse que a batida
(busca e apreensão) nada teve a ver com o recorde do paralelo, do
"blue" no dia anterior. Com crime ou não, quem pode dar o fora com
seus dólares, dá. O governo tenta tapar o sol com a peneira rasgada dos
controles de câmbio e outras mágicas velhas e falidas. Está tudo desmoronando.
A Argentina parece caçar boi no pasto ou
coisa muito pior. "Caçar boi no pasto": em 1986, no começo da ruína
do Plano Cruzado de combate à inflação no
Brasil, havia escassez de produtos por causa do tabelamento de preços, de carne
inclusive.
O governo de José Sarney mandou "caçar
boi no pasto", até com polícia e rasante de helicópteros em fazenda onde,
supunha-se, escondiam-se os bichos. Logo depois, 1987, o Brasil quebraria,
declarando moratória da dívida.
Por estes dias, o governo argentino está
fazendo coisas como pedir aos exportadores de petróleo que tragam o quanto
antes, de modo antecipado, os dólares de suas vendas. Olha o tamanho do
desespero. O Banco Central da Argentina quase não tem reservas internacionais.
Descontado o que deve, por assim dizer, o nível das reservas do BC está no
vermelho, no volume morto, ou quase isso.
É a isso que se dedica Sergio Massa, ministro
da Economia e candidato a presidente, ora no comando de fato do país. Alberto
Fernández quase sumiu da cena do desastre que ajudou a provocar (com
Mauricio Macri). O governo tem de catar uns trocados para pagar a próxima
prestação do FMI. Não está vivendo nem da mão para a boca.
Quanto ao tamanho das disparadas no câmbio,
na verdade, a gente nem sabe direito qual o preço do dólar no paralelo (é um
mercado informal). Mais importante, com a inflação argentina, mais de 12% só no
mês de agosto, em termos reais sabe-se ainda menos de "recorde" —em
várias taxas de câmbio, a situação real esteve ainda pior em fins de agosto.
Relevante mesmo é a desvalorização enorme que
virá depois da eleição, com algum plano de estabilização da economia (deve vir
algum, imagina-se). Importa ainda a percepção de risco crescente de calote. O
risco país da Argentina foi a 2.719 pontos nesta quinta-feira (27,19%) —o do
Brasil tem andado por baixo da casa de 200 pontos. Havia liquidações de títulos
da dívida argentina em dólar.
Massa e o que resta do governo peronista
fazem malabarismos com miudezas circunstanciais a fim de evitar um colapso
pirotécnico antes do primeiro turno da eleição presidencial, no dia 22 de
outubro, se é que vai haver segundo, pois o lunático Javier Milei está
forte e sacudido.
No que o governo Lula puder ajudar, é
recomendável fazê-lo, com diplomacia a fim de arrumar um acordo para a
reconstrução dos vizinhos (claro, desde que a Argentina queira se ajudar). A
coisa vai ser ainda mais feia por lá.
Pois é.
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