O Globo
O magistrado soltou o Dadá do 'Bonde do
Maluco' e foi afastado
Com um voto cirúrgico do corregedor nacional
de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, por unanimidade, o CNJ afastou
de suas funções o desembargador baiano Luiz Fernando Lima. No dia 30 de
setembro passado, ele determinou a transferência do bandido Dadá para um regime
de prisão domiciliar.
Dadá não era um bandido qualquer, e o afastamento do desembargador baiano torna-se um exemplo de rapidez e rigor. O CNJ feriu o velho golpe do recurso ao juiz plantonista, praticado há décadas em todas as instâncias do Judiciário. Ele funciona assim: espera-se o fim de semana (ou o recesso), leva-se o pedido ao sensível magistrado que assumiu o plantão e, bingo, resolve-se o problema.
No caso do bandido Ednaldo Freire Ferreira, o
Dadá, o desembargador Luiz Fernando Lima seguiu a escrita, mas exagerou.
Dadá é um dos fundadores do Bonde do Maluco,
o BDM, a maior facção criminosa da Bahia. Estava numa prisão
de segurança máxima desde setembro. Tinha sido capturado pela Polícia
Rodoviária Federal e cumpria pena de 15 anos, imposta em 2008.
O desembargador-plantonista recebeu o pedido
de conversão para o regime de prisão domiciliar às 20h42 do sábado, dia 30, e
canetou a concessão do benefício na madrugada seguinte. Dadá deveria ir para
casa para cuidar de um filho autista. Se essa criança existe, os negócios do
Bonde do Maluco nunca permitiram a Dadá que cuidasse do filho. Horas depois,
outro magistrado cassou a medida. Era tarde, Dadá havia sido libertado e, como
era de prever, não foi para casa. Escafedeu-se.
Em seu voto o corregedor Salomão lembrou:
— O desembargador Luiz Fernando Lima recebeu
o pedido somente algumas horas antes do início do expediente judiciário normal,
situação que, por si só, já ensejaria uma análise minimamente cuidadosa acerca
do caso. (...) Não houve mínima análise acerca do perfil e antecedentes do
requerente.
Em setembro, quando Dadá foi capturado,
estava ao volante de um SW4 Diamond, avaliado em R$ 400 mil. Naquele mês, a
guerra entre as quadrilhas baianas e a ação da polícia resultaram na morte de
70 pessoas, inclusive um agente da Polícia Federal.
Ao canetar a libertação de Dadá, o
desembargador sabia o que estava fazendo. Num plantão anterior, tratando de um
caso semelhante, com antecedentes diversos, Lima indeferiu o pedido, indicando
que não se tratava de matéria para ser decidida por um plantonista. O
corregedor Salomão lembrou que, naquele caso, o Ministério Público havia recomendado
a concessão da medida. O juiz severo de ontem virou um doce na madrugada em que
soltou Dadá.
Afastado, o desembargador poderá se defender.
Pelas suas contas, está próximo da aposentadoria, mas talvez possa responder a
uma pergunta:
— O senhor realmente achava que Dadá
cumpriria as condições da prisão domiciliar?
A unânime, rápida e severa decisão do CNJ
talvez iniba a turma que recorre ao golpe do plantonista, até porque há a
suspeita de que o crime organizado passou a aplicá-lo. Existem uns cinco casos
em que deu certo.
No caso do desembargador baiano, funcionou
para o bandido, mas custou ao magistrado.
Pois é.
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