Folha de S. Paulo
Candidatos que prometem 'quebrar o sistema'
vendem ilusões perigosas
Os argentinos poderão colocar Javier Milei na
Presidência da República.
Confesso que meu coração é anarquista. Eu
gostaria de viver numa sociedade sem Estado ou, evocando os escritos de Pierre
Clastres, até em uma contra o Estado. Mas o mundo é um lugar
complexo. O fato de termos simpatia por uma ideia não significa que ela vá
funcionar.
A natureza humana tem seus anjos bons. Nem
toda comunidade hippie fracassa, o que nos permite manter a esperança de que um
dia o anarquismo seja viável. Mas ela também tem muitos anjos maus. É só olhar
ao redor para entrevê-los.
O Estado liberal democrático, que comporta variações mais à esquerda (social-democracia) e mais à direita (individualismo norte-americano), é a melhor forma que encontramos para nos equilibrar entre as duas tendências inscritas em nossa natureza, preservando o máximo de liberdade.
Esse sistema de governança, ao qual chegamos
por tentativa e erro (muitos erros), apresenta a enorme vantagem de embutir
mecanismos de autocorreção. Se as coisas não estão indo muito bem, a democracia
permite mudar de rumo sem que seja necessário passar por uma guerra civil.
Esse seguro contra a violência tem um preço.
O processo de mudança é difícil, lento e quase sempre frustrante, o que, em
momentos de crise mais aguda, favorece candidatos presidenciais que prometem
"quebrar o sistema".
Vimos vários deles prosperarem nos últimos
anos mesmo em democracias consolidadas. Donald Trump e Jair
Bolsonaro são os nomes que imediatamente vêm à mente. As
soluções falsas que eles venderam se mostraram obviamente falsas, e nenhum dos
dois foi reeleito. Mas eles conjuraram forças entrópicas que deixaram um rastro
de estragos institucionais.
Os argentinos parecem agora prestes a repetir
o erro de eleitores americanos e brasileiros, com a diferença de que, como
Milei defende
ideias econômicas bem radicais, poderá provocar destruição ainda
maior.
Ave Maria!
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