segunda-feira, 16 de outubro de 2023

José-Francisco L. Gonçalves* - Oferta e demanda

Valor Econômico

Se vai dar Biden, Trump ou coisa pior, a fragilidade da política americana para lidar com a situação é evidente

O nível atingido pelos rendimentos dos Treasuries de prazos mais longos nos meses recentes, assim como a velocidade em que isso se deu, tem assustado os analistas, participantes do mercado e bancos centrais.

Com razão.

Com mais razão ainda os governos, pois a alta do custo da dívida pública adiciona pressão sobre a política fiscal. Aqui a primeira observação.

As frustrações com a administração Biden, em que pese a natureza progressista e criativa de suas medidas “anti-inflação”, os desdobramentos da pandemia sobre o mercado de trabalho ainda afligem a população com impactos políticos relevantes. Como era esperado, não há como promover uma transição na economia sem que se saiba bem onde se pretende chegar.

Se a promessa de Donald Trump era - e é - impossível, a de Joe Biden custa caro. Em meados de 2022, o déficit fiscal americano voltou ao nível pré pandemia (cerca de % 960 bilhões em 12 meses). Em agosto passado, voltou a US$ 1.954 bilhões. Um trilhão de dólares a mais.

Esse aumento da oferta de títulos públicos nos EUA se dá em simultâneo com dois outros movimentos relativos à demanda por esses papéis. Desde logo, o Federal Reserve - Fed, depois de tentar sair do QE em 2019, recuou e foi levado a ampliar seu balanço comprando enormes volumes de títulos públicos e privados mesmo antes de o déficit fiscal se agravar com os gastos e transferências exigidos pela pandemia.

Assim, além de subir os juros básicos, o que poderia minorar a pressão sobre os rendimentos dos títulos mais longos, começou a desfazer o QE e a esvaziar seu balanço. Desde que a redução do balanço do Fed começou, a demanda por títulos públicos caiu em US$ 850 bilhões.

Ademais, os campeões entre os detentores não americanos da dívida pública americana, Japão e China, reduziram suas posições líquidas em mais de $ 440 bilhões desde julho de 2021. No período, o total detido por não americanos subiu apenas $ 78 bilhões. Enquanto japoneses e chineses diversificam suas posições e saem dos Treasuries, os europeus não conseguem compensar a mudança de oferta e demanda.

Finalmente, o nível atual dos juros reais de 10 anos remete ao verificado entre 2000 e 2006. Mesmo com as incertezas políticas e geopolíticas daquele período, a expectativa de que uma economia mais fraca reduziria a inflação em algum momento manteve os juros reais de 10 anos em torno de 2,5%, perto dos 1,7% atuais.

Mais oferta, menos demanda; a alta dos juros veio para ficar enquanto as condições assim o exigirem.

Mas será o nível atual dos juros determinante inevitável de recessão adiante?

A dúvida que parece relevante nessas condições é referente à capacidade de crescimento da economia americana antes de 2008 (Grande Crise Financeira) e da pandemia combinada com guerra e nos dias de hoje. O período em que os juros reais de 10 anos oscilaram entre menos alguma coisa e 1% corresponde ao QE, à manipulação da curva de juros com vistas a reduzir sua pressão sobre as condições financeiras.

Se nada relevante mudou, os juros atuais não deveriam assustar a não ser por seus efeitos sobre os balanços dos bancos e outras instituições financeiras. O que não é pouco. Mas cabe a torcida para que os juros longos mais altos terminem por desaquecer a economia, a inflação e os juros mais curtos. Os riscos financeiro e da recessão, porém, estão no meio do caminho.

Nessa trilha, entende-se que o Fed não vai sequer interromper o processo de redução de seu balanço, quanto mais operar a curva longa de juros.

Se a economia americana perdeu capacidade de crescimento, no jargão dos economistas, o PIB potencial caiu, e se o pessoal do Fed comprar essa ideia, os juros curtos vão se manter elevados por mais tempo ainda. Isto porque o Fomc manterá a taxa básica em terreno suficientemente contracionista até se convencerem seus membros de que a inflação cedeu a níveis aceitáveis.

Nos dois casos o Fed está amarrado e o Tesouro restrito pelos movimentos inconsequentes dos Republicanos.

Senão, vejamos: cabe manter a economia fria para não acelerar a inflação e aguardar as reformas que vão aumentar a produtividade e levar a economia ao crescimento (aqui, ironia, muita). Se vai dar Biden, Trump ou coisa pior, a fragilidade da política americana para lidar com a situação é evidente.

*José-Francisco L. Gonçalves é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade FEA/USP

 

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