segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Sergio Lamucci - A importância de focar o ajuste fiscal pelo lado do gasto

Valor Econômico

Um ajuste só pelo lado da receita não será bem-sucedido, e já há sinais importantes de que essa opção é inviável

A meta do governo federal de zerar o déficit primário da União em 2024 é vista como uma possibilidade remota, dependendo da obtenção de um volume de receitas adicionais de R$ 168,5 bilhões, muito difíceis de serem alcançadas. Para que o alvo seja cumprido, ou pelo menos não fique tão distante, o governo terá de mirar também no gasto, a principal fonte de problemas das contas públicas do país. As despesas são muito elevadas e excessivamente rígidas, marcadas por gastos de baixa eficiência, que pouco ou nada contribuem para aumentar a capacidade de crescimento do país a taxas mais altas.

Para tentar cumprir a meta de déficit zero, é provável que o governo anuncie um bloqueio de gastos no começo de 2024, recorrendo ao chamado contingenciamento de despesas. Mais do que usar esse expediente, porém, é importante que o Executivo trace uma estratégia para combater estruturalmente a expansão dos gastos obrigatórios e reduzir subsídios.

Um número que deixa claro o volume elevado de gastos do setor público brasileiro é o tamanho das despesas primárias (excluindo dispêndios com juros) das três esferas de governo como proporção do PIB. Em 2023, elas devem atingir 40% do PIB, crescendo em relação aos 38,3% do PIB de 2022, segundo números do Fundo Monetário Internacional (FMI). É o maior percentual entre as principais economias das Américas, superando de longe a média de 29,6% do PIB da América Latina e mesmo os 34,4% do PIB dos EUA e os 38,2% do PIB do Canadá. Os números aparecem no Panorama Econômico Regional para o Hemisfério Ocidental, divulgado na semana passada.

Entre os gastos obrigatórios, a despesa com pessoal é a principal candidata a ser enfrentada, após a reforma da Previdência, aprovada em 2019. Nas contas do FMI, União, Estados e municípios gastam o equivalente a 12% do PIB com o funcionalismo, um percentual superior à média de 8% a 9% do PIB de países emergentes e latino-americanos. A diferença se deve principalmente ao prêmio elevado existente em relação aos salários do setor privado, mais do que ao número de funcionários públicos, diz o Fundo no relatório anual sobre a economia brasileira, publicado no fim de agosto. Segundo o FMI, o número de servidores públicos está na casa de 9% da população em idade de trabalhar, “em linha com países comparáveis” ao Brasil.

 

Nesse cenário, o FMI recomenda o ajuste do aumento dos salários a um ritmo inferior ao do PIB nominal, corrigindo os vencimentos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por exemplo, além de sugerir políticas focalizadas de não reposição integral do número de funcionários que deixam o serviço público ou se aposentam. Essa combinação poderia poupar até 1% do PIB, estima o FMI, avaliando que economias adicionais podem ser obtidas por mudanças na progressão de carreiras e nos serviços, além de alterações nas estruturas salariais.

Ideias como essas, porém, precisam ser implementadas com cuidado, para que órgãos importantes não sofram com falta de pessoal, devido à não substituição expressiva de servidores que se aposentam ou deixam o serviço público. O Ibama, o IBGE e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) são exemplos de instituições que passam por problemas por insuficiência de funcionários. Com precauções para evitar esse tipo de armadilha, porém, é essencial uma reforma administrativa que mire o tamanho de gastos com o funcionalismo em relação ao PIB, focando especialmente na modernização do serviço público e na definição de critérios para a avaliação dos servidores.

O novo arcabouço fiscal não foi concebido para enfrentar o problema do crescimento do gasto, pelo contrário. Foi desenhado para garantir a expansão contínua das despesas acima da inflação, de 0,6% a 2,5% ao ano, o que exige como contrapartida o salto da arrecadação para que as metas fiscais sejam atingidas. No entanto, como a meta de zerar o déficit primário da União em 2024 é quase impossível, o governo terá que lidar também com o avanço das despesas, para que não seja visto como leniente com a situação fiscal do país.

Outro grande problema fiscal do Brasil é a rigidez do Orçamento. Mais de 90% das despesas são obrigatórias, indicando a baixíssima margem de manobra do governo na condução das contas públicas. No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano que vem, a previsão é que esses gastos correspondam a 91,6% dos dispêndios totais, percentual menor que os 94,3% do projeto de 2023. Especialistas em contas públicas, porém, dizem que há despesas obrigatórias subestimadas, como as estimadas para os gastos previdenciários, que podem ser até R$ 20 bilhões superiores às previsões que aparecem na proposta de Orçamento de 2024. Com isso, o espaço para despesas discricionárias (aquelas sobre as quais o governo tem controle) tende a ser menor do que o sugerido no PLOA do ano que vem. O ajuste então tenderá a ser feito pelo corte de investimentos, como sempre ocorre em momentos de necessidade de contenção de despesas.

A esta altura, é possível que alguém pergunte sobre as despesas com juros, de fato muito altas num país como o Brasil. Nos 12 meses até agosto, os gastos com juros nominais da dívida bruta somaram R$ 791,740 bilhões, ou 7,6% do PIB. São números sem dúvida muito elevados. O melhor caminho para reduzi-los é por meio de uma política fiscal que estabilize e reduza o endividamento bruto como proporção do PIB ao longo do tempo, o que passa por enfrentar o incômodo problema da expansão dos gastos obrigatórios. Não é obviamente fácil, mas é o que pode assegurar juros mais baixos de modo sustentado, aliviando as despesas financeiras do setor público. Um ajuste só pelo lado da receita não será bem-sucedido, e já há sinais importantes de que essa opção é inviável.

 

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